Com a coragem crítica necessária à justa formação de uma opinião pública independente, Luís Roberto Ponte, enaltecendo sua nobre trajetória de homem público, escreveu instigante artigo (“Zero Hora”, edição de ontem) sobre a prerrogativa da Suprema Corte de aferir a constitucionalidade das leis e invalidá-las, se inconstitucionais. Dando continuidade ao necessário debate público, apresentarei argumentos que, talvez pela limitação do espaço, não foram abordados pelo ilustre constituinte de 1988.
De início, imperativo destacar que toda hipertrofia de poder, seja ela qual for, revela um sintomático sinal de que a estrutura do equilíbrio republicano está desajustada. Partindo da premissa, é palpável a constatação de que o egrégio STF está a ampliar os horizontes de sua ação normativa e jurisdicional. A questão é: por quê? Ora, porque os poderes políticos genuínos não estão a cumprir seu trabalho institucional, forçando o Supremo a se pronunciar supletivamente sobre a inação do Executivo e do Legislativo. Um exemplo dessa situação foi a questão da fidelidade partidária: como o Congresso não fez a lei que lhe competia e o presidente não tomou a inciativa do projeto, a questão foi judicializada; a Suprema Corte, então, simplesmente cumpriu seu papel à luz da Constituição, resolvendo a controvérsia.
A certa altura, o digno ex-ministro do Gabinete Civil do presidente Sarney indagou quem estaria correto: seis ministros do Supremo ou “os mais de três quintos da Câmara e do Senado que discutiram exaustivamente a matéria com intensa participação democrática da sociedade”? Bem, posso estar enganado – e queria estar –, mas o Congresso atual pouco discute “exaustivamente” matérias legislativas e muito pouco representa os reais anseios democráticos da sociedade brasileira. Tal anêmica circunstância, no entanto, não é o que legitima o Supremo a repudiar o ato inconstitucional. A legitimidade vem da evolução democrática que, através da centralidade dos valores da Constituição, outorgou ao órgão máximo da Justiça a responsabilidade técnica de proteger o cidadão de atos políticos elaborados por maiorias parlamentares eventuais que podem muito, mas não podem tudo.
Além disso, o Supremo tem, sim, um papel político próprio na estrutura republicana. Sobre o ponto, sempre é tempo de lembrar discurso memorável de João Mangabeira, em 28 de janeiro de 1926, quando da posse de Herculano de Freitas na Alta Corte de Justiça. Aliás, da arte da política, vieram grandes ministros; lembro três, mas três que valem por muitos: Prado Kelly, Aliomar Baleeiro e Paulo Brossard. Logo, se existe certa e pontual hipertrofia, é preciso atacar as causas e controlar seus sintomas, sem recair no erro de pensar que o sintoma é a causa. Falando nisso, não será a falta de uma política modelar no Executivo e no parlamento a grande causa de nossas anomalias institucionais?
Fonte: Zero Hora, 15/05/2013
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