Por Pedro C. Ferreira e Renato F. Cardoso
Segundo muitos analistas econômicos, a condução da política econômica do governo Lula se dividiria em dois períodos distintos. O primeiro coincidiria com a gestão de Antonio Palocci no Ministério da Fazenda, quando o conservadorismo fiscal marcou a macroeconomia, enquanto a ousadia restringiu-se à microeconomia, tendo-se implantado importantes reformas em várias áreas, notadamente a do crédito.
No segundo período, quando Guido Mantega substituiu Palocci, teria sido inaugurada uma postura fiscal mais frouxa, com uma agenda microeconômica tímida e um viés desenvolvimentista. Em comum aos dois períodos se destacariam as políticas sociais agressivas – expansão do programa Bolsa Família, aumentos reais do salário mínimo, por exemplo – e a preservação da herança bendita do governo FHC, resumida no tripé superávit primário com câmbio flutuante e regime de metas de inflação.
A divisão acima é muito simplista, pois o período que coincide com a gestão Mantega deve ser dividido entre os sub-períodos pré e pós crise de 2008. Após a saída de Palocci, em março de 2006, houve um afrouxamento da política fiscal e arrefecimento das reformas microeconômicas, mas não a ponto de comprometer a trajetória anterior. Fragilizado pelo escândalo do mensalão, o governo buscou apoio junto à sua clientela política, o que implicou em mais concessões aos servidores públicos e maiores correções do salário mínimo. Reduziu-se a velocidade do barco, mas se preservou seu rumo anterior.
A crise de 2008, entretanto, forneceu o pretexto para avalizar uma violenta inflexão que perdurou até o fim do segundo mandato de Lula. A postura fiscal após a crise de 2008, que muitos consideraram uma mera intensificação das políticas inauguradas em 2006, consistiu numa abrupta guinada ditada por motivos ideológicos e não apenas econômicos. O diagnóstico era de que a crise havia desmascarado a farsa do Estado enxuto, o embuste do modelo neoliberal. Em vez de uma política fiscal transitoriamente expansionista justificada pela crise, aumentaram-se gastos permanentes em consonância com a visão de que, no novo mundo pós-crise, o Estado passaria a ocupar perenemente uma maior fatia da economia.
O mínimo que se espera de um país que poupa pouco é que aloque eficientemente a poupança disponível
O novo papel do Estado, num mundo em que o neoliberalismo teria sido derrotado, inspirou uma série de políticas gestadas fora do Ministério da Fazenda. A mudança do marco regulatório do petróleo, marcada pela deliberada hipertrofia da Petrobras, sinalizou uma volta aos anos 1970 em que o Estado liderou diretamente os grandes investimentos. A ressurreição da agonizante Telebrás, ainda que em sua nova roupagem de provedora de banda larga, mostrou que o Estado empreendedor estava de volta. Por pouco não se criou uma grande empresa estatal na área de seguros.
Mas a grande novidade na fase pós-crise foi a ressurreição do Nacional Desenvolvimentismo. Não apenas a Petrobras seria mais estatal do que antes, como passaria a atuar como geradora de externalidades para a indústria brasileira, incentivando setores específicos independentemente dos custos incorridos, conforme atesta a queda de 30% do valor de suas ações. Os bancos públicos foram instados a expandir o crédito em ritmo inédito, recuperando o espaço perdido para os bancos privados ao longo dos anos de dieta. As sucessivas capitalizações do BNDES – em torno de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) – abriram portas para a distribuição de generosos subsídios a setores e empresas escolhidos por sábios tecnocratas guiados por critérios pouco claros.
No início de 2010, a economia já dava sinais de rápida recuperação, o que deveria ter resultado numa reversão da política fiscal expansionista implantada no ano anterior. Mas a necessidade de eleger uma candidata sem experiência nas urnas motivou a ampliação adicional dos gastos. A fim de manter as aparências de responsabilidade fiscal, num criativo malabarismo contábil, a capitalização da Petrobras permitiu ao Tesouro transformar receitas incertas e longínquas em aumento imediato de sua participação acionária na estatal, além de obter 1% do PIB de ajuda para cumprir a meta de superávit primário.
Para segurar a inflação provocada pela explosão do consumo, coube ao Banco Central voltar a elevar a taxa de juros. Num ambiente em que os grandes países adotam políticas monetárias flagrantemente expansionistas, agravou-se a valorização cambial, com consequente ampliação do déficit em conta corrente e redução da competitividade da indústria nacional.
Os primeiros sinais emitidos pela presidente Dilma são de correção do rumo tomado após a crise de 2008, mas não está claro se o modelo escolhido será o que coincidiu com a era Palocci, ou o que vigorou em seguida até a eclosão da crise. A regulamentação da reforma previdenciária dos servidores públicos, aprovada em 2003, mas abortada pelo mensalão em seguida, seria um alvissareiro sinal concreto. O engavetamento definitivo de qualquer possibilidade subsídio ao megalomaníaco projeto do trem bala indicaria um retorno à racionalidade econômica. Afinal, o mínimo que se espera de um país que poupa pouco é que aloque eficientemente a limitada poupança disponível.
Fonte: Valor Econômico, 31/01/2011
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