A presidente Dilma Rousseff não esqueceu os brasileiros neste Natal. Preparou-lhes uma surpresa, presenteando-os com uma pérola: a revelação de que o ex-ministro Antonio Palocci saiu do governo porque quis. Foi emocionante a presidente ter guardado essa joia para o fim do ano. O país passou mais da metade de 2011 achando que Palocci tinha caído da Casa Civil porque enriqueceu fazendo tráfico de influência. Engano. Ele “quis sair”, informou Dilma. Ou seja: por ela, Palocci ficava. Sem preconceito.
Ainda bem que o Brasil é tolerante, cordial, gente boa. E lida bem com uma presidente que não tem preconceito contra consultorias milionárias de seus auxiliares. Palocci faturou R$ 20 milhões só em 2010, quando coordenava a campanha da sucessora de Lula, cotado para superministro dela (o que se concretizou no ano seguinte). Uma arrecadação muito superior à das mais conceituadas empresas do mercado. Ninguém achou que essa façanha se devesse ao charme do consultor – e Palocci deixou o ministério.
Agora, Dilma diz que ele poderia ter ficado, se quisesse. Ou seja: diz que o jeito Palocci de enriquecer à sombra do poder está o.k. Se o Brasil não fosse magnânimo e cuca fresca, a presidente da República estaria, neste momento, tendo de se explicar ao Ministério Público e ao Congresso Nacional. Sua idoneidade para o exercício da função estaria em xeque.
Mas Dilma está comendo rabanada. Em vez de colocá-la em xeque, o Brasil deu-lhe um cheque – em branco, para bancar a sobrevivência de outro companheiro consultor, o ministro Fernando Pimentel. Se Palocci faturou R$ 20 milhões e saiu porque quis, Pimentel, que faturou R$ 2 milhões, pode considerar o Ministério do Desenvolvimento praticamente um lar. Só sai de lá por motivo de tédio profundo. O Brasil cordial sancionou seus métodos.
Felizmente chegou o Natal – e o companheiro consultor ganhou um presentão neste fim de ano
Além de declarar que o novo milionário Palocci não é mais ministro porque não quer, Dilma Rousseff afirmou que a consultoria de Fernando Pimentel “não tem nada a ver” com seu governo. Pura modéstia. Mesmo não tendo todo o charme de Palocci, Pimentel também chegou a uma arrecadação formidável. Fez seu primeiro milhão com um único e certeiro palpite sobre a conjuntura para a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg). Tanta virtude assim, e tão bem paga, é o que distingue um consultor comum de um consultor bem relacionado. A Fiemg teria economistas melhores para contratar, mas nenhum com a graduação de Pimentel nos corações de Lula e Dilma. Que outro consultor decolaria tão rapidamente para a coordenação da campanha presidencial, e em seguida para a Esplanada dos Ministérios?
De consultor privado da indústria, Fernando Pimentel passou a gestor público da indústria. Se o leitor ficar confuso sobre quem é cliente de quem nessa história, esqueça. Clientela é assunto particular, como explicou Dilma, ao considerar “estranho que o ministro preste satisfações ao Congresso de sua vida privada”.
Palocci não revelou até hoje os clientes que fizeram dele um milionário instantâneo. Esses consultores diferenciados não têm culpa se o poder político, a influência governamental e as informações de Estado invadem sua vida privada. Se a papelada do consultor e a do político dormem na mesma gaveta ou não, é questão de foro íntimo. O foro da consultoria de Pimentel à Fiemg era tão íntimo que ninguém consegue saber que serviço, afinal, foi prestado. Não há contrato ou qualquer tipo de registro do trabalho do consultor. O contratante, ex-presidente da entidade, informou que o contratado fez palestras nas seções regionais pelo interior do Estado. Mas não há uma testemunha sequer desses eventos. Talvez tenham sido palestras de foro íntimo.
Felizmente chegou o Natal. E Papai Noel, que não só existe, como acredita em Pimentel, lhe trouxe um presentão: uma pesquisa de opinião mostrando a aprovação a Dilma superior à de Lula no primeiro ano de governo. Um empurrãozinho a mais para a presidente segurar o emprego do amigo. Por uma dessas coincidências da vida, o contratante da consultoria de Pimentel em 2009 é o mesmo contratante dessa providencial pesquisa de opinião. E daí? Ninguém tem nada com isso. O governo é público, mas os governantes, pelo visto, são privados.
Fonte: Época, 26/12/2011
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