Há preocupação com a impunidade dos mensaleiros e com o tempo que o julgamento dos recursos pode levar
O voto de Celso de Mello, que decidiu nesta quarta-feira aceitar os embargos infringentes no caso do mensalão, repercutiu instantaneamente na sociedade civil e também entre especialistas. Ouvidos pelo GLOBO, eles demonstram preocupação com o tempo que o julgamento dos recursos pelo Superior Tribunal Federal (STF) pode levar e também com a possibilidade de impunidade.
Luciano Santos, advogado especialista em direito eleitoral do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), acha que “por mais técnica, polêmica e passível de divisões a questão”, o voto a favor dos embargos infrigentes “encerra um crédito que a opinião pública tinha dado ao Supremo Tribunal Federal (STF)”.
Segundo Santos, o julgamento do mensalão foi, em sua essência, emblemático e muito eficiente; os réus já haviam sido julgados numa corte privilegiada e, por isso, “o caso já poderia ter sido encerrado”. Mas o caso não foi o que, para Santos, “traz uma sensação de desalento e impunidade à sociedade”.
“Muitas cortes superiores, como o próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE), vêm interpretando embargos semelhantes como inconstitucionais. O supremo anda, portanto, num caminho contrário. A discussão não é só técnica, a divisão que se produziu entre os ministros do STF expõe a disfuncionalidade do Judiciário brasileiro”, declarou.
Para Luciano Santos, “a lua de mel da população com o STF acabou”. E a população agora deve ficar atenta a alguns fatores daqui para a frente: como os réus vão recorrer ao STF, se esses embargos serão votados com rapidez, se serão julgados em blocos (como ocorreu no julgamento do mensalão), e se o chamado “mensalão mineiro”, que afeta o PSDB, será avaliado com critérios semelhantes pelo Supremo – e principalmente antes das eleições de 2014.
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“Preciso não acreditar que a nova composição do STF (com dois ministros novos indicados pela presidente Dilma Roussefff, Luís Roberto Barroso e Teori Zavascki, que votaram a favor dos embargos) tenha trazido algum partidarismo ao julgamento. Mas acho que a decisão desta quarta-feira traz à tona uma discussão pertinente, que a população precisa promover: será que deve caber apenas ao presidente indicar a composição do STF?”, indagou o representante do MCCE.
Já Gil Castello Branco, secretário-geral da ONG Contas Abertas, se disse desagradado com os rumos que o caso levou. “Vai ser difícil acordar amanhã. Sonhávamos com um marco para o fim da impunidade e nos deparamos com os recursos dos recursos, os embargos dos embargos. O enredo parecia diferente, mas o final do filme será o de sempre. Os tubarões não irão para a cadeia”, protestou.
Cristiane Maza, da organização Todos Juntos Contra a Corrupção, também expressou descontentamento. Para ela, a opção de aceitar os embargos infringentes foi “decepcionante”. “Acho que essa decisão vai levar a uma retomada às ruas. É preciso que as pessoas voltem às ruas. Para o cidadão comum, parece que o Supremo não é supremo. Havia uma expectativa muito grande para que essa questão não terminasse em pizza”.
Cientista político da PUC-RJ, Ricardo Ismael diz que o Supremo optou por protelar o cumprimento das sentenças. Ele afirma que a sensação de impunidade tende a aumentar na sociedade brasileira. “O que mais lamento é que isso vai demonstrar que nem todos são iguais perante à lei. Infelizmente, para alguns, os julgamentos são ritos sumários. São rápidos. Para outros, os poderosos, os processos podem se arrastar por anos. Há a constatação da impunidade”, critica.
Claudio Weber Abramo, diretor-executivo da Transparência Brasil, foi taxativo: disse que, nesta quarta-feira, foi estabelecido um “rejulgamento do mensalão”. O acolhimento dos embargos infringentes, diz ele, pode até servir como combustível para uma “certa sensação de impunidade” entre a opinião pública que, segundo ele, pode acreditar que a “norma não mudou por causa do mensalão”. Mas, segundo Abramo, esta não é a questão essencial a ser analisada.
“A não-conclusão o julgamento do mensalão não é exclusiva do processo em si, mas sim reflexo da característica disfuncional do Judiciário brasileiro, esta sim que deve ser mais questionada”, explica Abramo, lembrando que os embargos infringentes só permaneceram no regimento interno do STF, algo passível de “confusões e opiniões divergentes” por parte dos juízes.
Abramo diz, no entanto, concordar com o ministro Luís Roberto Barroso, na semana passada, e com o Celso de Mello, nesta quarta-feira, de que o Supremo não pode ser vítima da opinião pública.
Para o diretor da Transparência Brasil, o importante para a opinião pública é o que ele vai trazer sobre como a lei se aplica a outros processos como um que precisa, segundo ele, ser logo avaliado: o do mensalão mineiro, “porque é necessário se ter agora um contraponto político”. Na opinião dele, o fato de Joaquim Barbosa ter passado a relatoria para Barroso pode atrasá-lo, já que Barroso está menos familiarizado com o processo. “Atrasar a votação dos embargos infringentes e o mensalão mineiro pode trazer consequências políticas sérias. O STF poderia evitar isso”.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) disse que não comentará o acolhimento dos embargos infringentes, “por entender que a questão não representa um caso de afronta à Constituição”, como informou a assessoria do presidente da OAB, Marcos Vinícius Furtado Coelho.
Edmar Bacha, diretor do Instituto de Estudos de Política Econômica Casa das Garças e ex-presidente do BNDES, diz esperar que haja celeridade daqui para frente. “Eu espero que a Corte se dê um prazo fixo: ‘vamos terminar isso até março do ano que vem’, algo concreto. Ou então, ‘não vamos tirar férias para acelerar o processo de garantir o direito dos réus e assegurar que a Justiça seja feita’”, diz.
Fonte: O Globo
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