Uma das bases de qualquer sociedade é seu sistema jurídico. O direito é a face mais aparente da organização social de um país, muito pelo seu papel coercitivo, mas também pela recente judiciarização de nossa sociedade.
Só que ele não é tudo, nunca foi e nunca será.
Os usos e costumes e a consciência coletiva que brota destes também definem um país, uma sociedade e, principalmente, o seu caráter. Santo Agostinho já dizia, há tantos séculos atrás, que “para conhecer um povo, basta que se conheça o objeto do amor deste povo”.
Volto então ao Brasil. Um país nada mais é do que a reunião de pessoas com interesses, objetivos e valores em comum. E ainda que muitos dos valores e pilares da sociedade brasileira sejam no mínimo pitorescos, como muito bem descreveu o professor Roberto da Matta em toda a sua obra, creio que atualmente estamos chegando numa exacerbação do “jeitinho”, dessa permissividade que tanto caracteriza nosso povo.
Sempre acreditei que o brasileiro não é pacífico e nem pacato, mas simplesmente apático. Não é pra menos, dada a práxis encontrada nos palácios de todas capitais, chegando até a capital federal.
Só que fatos recentes parecem não só contribuir para o aprofundamento desta apatia, como também por criar uma nova consciência coletiva, envenenando corações e mentes desde muito cedo, estabelecendo que tudo é permitido, desde que você consiga escapar da punição.
Não bastassem as negativas do ex-presidente Lula, que agora deu pra repetir que “nunca houve mensalão” e a sua debochada declaração de que “a justiça só vai julgar isso em 2050”, a face do Brasil que presta foi estapeada sem pena numa série recente de eventos como a unção de José Dirceu (que o Procurador da República chamou de “chefe de quadrilha”) como comandante de fato do PT, a volta do tesoureiro do mensalão Delúbio Soares com direito a festas e discursos desafiadores e a condecoração de José Genoíno pelo Ministro da Defesa, um ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.
Se antes os políticos apanhados em algum escândalo se contentavam em fugir das grades e em manter grandes nacos do patrimônio afanado do erário público, hoje eles não aceitam nem mesmo perder o protagonismo que nunca lhes foi devido.
Eles não se comprazem mais na impunidade pura e simples, não, eles querem a impunidade total e o esquecimento de qualquer coisa que tenham feito, não como uma benção que a memória curta do brasileiro lhes conceda, mas como uma obrigação que a sociedade assaltada lhes deve e que será tomada na força caso necessário.
Os passaportes diplomáticos não devolvidos pela família de Lula, os obscuros personagens levados ao Conselho de Ética do Senado e à Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, e o recente périplo petista pelos órgãos de imprensa tentando transformar o escândalo do mensalão numa tentativa de golpe da “direita” contra o ex-presidente Lula, criam um ambiente perigoso e preocupante.
Perigoso porque dá a idéia de que tudo é permitido, de que o dinheiro e a proximidade do poder lavam qualquer sujeira, purgam qualquer pecado. Preocupante porque dessa forma a falta de vergonha na cara vai, pouco a pouco, virando fato social, gravado na consciência coletiva do nosso povo.
Será esse o melhor exemplo para as futuras gerações? É nisso que as queremos transformar?
Espero que não, mas parece que sim.
Há duas formas de promover mudanças: a primeira delas corresponde aos movimentos populares e infelizmente não é essa a grande marca do nosso país, não faz parte da “nossa” identidade; e a segunda é atraves dos representantes que elegemos. Infelizmente estamos a mercê destes.