A balança comercial registrou deficit de US$ 6,1 bilhões no primeiro quadrimestre do ano. Temos que recuar até 2001 para achar um deficit comercial nesse mesmo período (no caso, modestos US$ 561 milhões) e, por mais que voltemos no tempo, não há registro de deficit de magnitude comparável ao de agora.
É verdade que, em parte, o resultado do período está contaminado por uma mudança na contabilização das importações de petróleo: importações realizadas no ano passado foram registradas apenas neste ano, melhorando o resultado de 2012 ao custo de piorar o de 2013.
Ainda assim, mesmo se desconsiderarmos esse problema, é inegável a tendência de piora da balança, que ocorre –não sem um leve toque de ironia– desde que o governo se engajou numa política deliberada de desvalorização da moeda para proteger a indústria das importações, assim como estimular as exportações de manufaturados.
Obviamente isso não significa que a deterioração das contas externas resulta da desvalorização da moeda, mas serve para ilustrar como a balança depende de uma gama muito mais vasta de fatores do que a visão unidimensional da taxa de câmbio, favorecida pelos nossos “keynesianos de quermesse”, consegue compreender.
Em particular, não há como ignorar o nível reduzido da taxa de desemprego no país, sugerindo que, se a economia não trabalha a pleno emprego, não parece muito distante dele. Nessas circunstâncias, certas respostas são muito diferentes daquelas com que estávamos acostumados quando a economia operava com folga considerável, em particular no mercado de trabalho.
Quando o desemprego é alto, a expansão da demanda tende a se traduzir em aumento da produção tanto da indústria quanto dos serviços, já que ambos os setores têm condições de contratar a mão de obra até então desocupada sem grande pressão sobre os salários.
Já numa situação como a de hoje, o mesmo crescimento da demanda implica respostas muito diferentes em cada setor.
A maior demanda por serviços precisa, com raras exceções, ser satisfeita pela expansão da produção local, levando ao crescimento do emprego no setor.
Concretamente, com o desemprego baixo, isso tende a elevar o salário real em ambos os setores, mas, como o setor de serviços está naturalmente protegido da concorrência externa, esses aumentos podem ser (e são) repassados aos seus preços, o que explica a elevada (8,1%) inflação de serviços.
Já no setor industrial, o repasse é limitado pela concorrência externa e, portanto, o aumento salarial “come” a margem de lucro, expressão da perda de competitividade.
A tendência, pois, é que o emprego se expanda no setor de serviços relativamente à indústria, assim como a produção.
Desse modo, enquanto o maior consumo de serviços é satisfeito localmente, o aumento do consumo de manufaturas, com a economia próxima ao pleno emprego, passa a ser atendido pela expansão das importações.
Isso já vem acontecendo há algum tempo, mas, até recentemente, era parcialmente neutralizado pelo aumento dos preços internacionais das commodities relativamente às manufaturas. Sendo o Brasil um exportador líquido de commodities, seu encarecimento permitia ao país obter mais manufaturas por unidade exportada.
Assim, embora a quantidade importada aumentasse, seus efeitos sobre a balança foram significativamente atenuados pelo maior valor das exportações. Não por outro motivo, sempre tachei de míopes as lamentações governamentais quando os preços de commodities subiam, assim como suas comemorações em caso de queda.
Sem preços crescentes de commodities para compensar a maior demanda por importações, a tendência do saldo comercial é se reduzir em resposta à elevação da demanda interna e da resposta assimétrica da produção.
Como se vê, há muito mais entre o céu e a terra do que nossos “keynesianos de quermesse”, e sua manipulação da taxa de câmbio, podem imaginar.
Fonte: Folha de S. Paulo, 08/05/2013
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