O igualitarismo revolucionário tem andado em baixa nas últimas décadas. A Revolução Francesa pode ter sido uma tragédia grega, mas a baderna estudantil de Maio de 1968 em Paris foi, quando muito, uma paródia de mau gosto.
Tal manifestação não se restringiu à cena parisiense, mas assim como as chamas são mais quentes quanto mais próximas do foco irradiador de calor, manifestações semelhantes ocorreram lá pela mesma época na Universidade da Califórnia em Berkeley e em outras. Inclusive no Brasil, porém com muito menos ardor e desvario.
Apesar de não poder ser considerada – sob nenhuma hipótese – um membro da esquerda festiva – aquela que “fala de morro morando de frente p’ro mar” e planeja a revolução do proletariado entre um caneco de chope e outro – H. Wainwright (1998) cultua a referida data, neste nosso começo de século, como um evento emblemático, pois vê ali uma mudança radical nos ventos que até então sopravam para inflar as velas daquilo que se pode chamar de esquerda séria.
O ano de 1968 foi o annus mirabilis da possibilidade política. Muitas questões diferentes surgiram nessa época em que as instituições da Guerra Fria foram rejeitadas pelos que, supostamente, deveriam herdá-la com gratidão. Mas foi também uma época em que as alternativas ainda não estavam nitidamente definidas. A importância das características dessa revolta [obs. nossa: pensamos que “baderna” é o nome mais apropriado] só se tornaria clara nos anos subseqüentes. Novas idéias e práticas na produção, organização e caráter no conhecimento são algumas delas [obs. nossa: só se for o caso do mofo secular removido da Sorbonne, uma das piores heranças do mal français a que se refere A. Peyrefitte (1976)].
Alguns dos movimentos que se desenvolveram depois de 1968 questionaram as formas de conhecimento existentes de maneira mais consciente: em particular, o movimento feminista, o movimento ecológico e as redes de tecnólogos e ativistas de fábricas radicais que tiveram influência nos movimentos sindicalistas da Europa ocidental. (Wainwright, 1998, p57).
Contrariamente ao que sugere Wainwright, pensamos que o movimento estudantil de maio de 1968 foi muito mais uma revolta desordenada provocada pela escassez de meios de participação política em uma França dicotomicamente dividida entre a extrema direita do gaullismo e a extrema esquerda do Partido Comunista. Neste sentido concordamos inteiramente com J.R. Martins Filho quando ele afirma:
Desde 1958, o estilo francês de autoridade – centralizador, hierárquico, autoritário, elitista, fortemente impregnado de valores e preconceitos aristocráticos – foi não somente preservado como agravado [obs. nossa: Ao que parece, a Revolução Francesa, em vez de modificar o referido “estilo francês de autoridade”, legou-o à vida das sucessivas repúblicas, desde a Primeira à Quinta República] Com a extrema redução do papel dos partidos e sindicatos, o regime assemelha-se a um sistema elétrico sem fusíveis, onde um curto-circuito pode colocar em pane todo o aparelho estatal. Os dois grandes pólos políticos da França da Quinta República – o gaullismo e o comunismo – criaram ao redor de si um imenso vazio político e ideológico. Não é de espantar, assim, o poder de difusão que teve o movimento estudantil de maio. [obs. nossa: E não é de espantar tampouco que suas conseqüências fossem tão desastrosas ou mais quanto o status quo que rejeitava]. (Martins Filho, 1996, p.33).
Com o supracitado parágrafo, Wainwright abre o terceiro capítulo da já mencionada obra intitulado: “Transformação de Baixo Para Cima”. Antes de se referir a um fato consumado ou a um processo em andamento, tal expressão – segundo pensamos – talvez se refira com mais propriedade a um novo projeto da esquerda “anti-neoliberal” a que damos o nome de neoigualitarismo.
Ela difere do igualitarismo revolucionário, pois não pretende tomar o poder com as armas; difere do igualitarismo reformista, pois não pretende se limitar a tentar produzir a igualdade socioeconômica por meio da ação legiferante, como é particularmente o caso da Affirmative Action já examinada por nós em diversos artigos, bem como de outras medidas governamentais típicas dos partidários do Estado welfare state da social democracia. Os neoigualitaristas vão além e apostam todas as suas fichas na mobilização da sociedade civil.
As assim chamadas ONGs (organizações não-governamentais) – algumas entidades sérias, outras meros instrumentos de promoção política dos seus organizadores, cabidões de empregos ou fachadas para lavagem de dinheiro sujo – são um eloqüente exemplo, principalmente em países como o Brasil em que a sociedade civil tem se mostrado passiva e apática ao longo da história.
Embora possam ser feitas veementes críticas ao desempenho de muitas das referidas organizações, o senso de iniciativa que as gerou só pode ser elogiado. O.de Carvalho considera que “as ONGs não são apenas meios ou instrumentos de luta por um novo estado de coisas: elas já são o princípio mesmo de organização do novo estado de coisas” (Carvalho, 1997, p. 157, o grifo é nosso). Mas que estado de coisas?
De nossa parte, pensamos que tais organizações assim como os camelôs – um tipo de microempresários de uma economia informal – apesar dos seus aspectos negativos, possuem ao menos uma inegável virtude: são inequívocas expressões da iniciativa privada, coisa surpreendente e louvável em países atolados no patrimonialismo e no mercantilismo, como é o caso do Brasil. Aplica-se aqui o seguinte moto: “Não pergunte o que seu país pode fazer por você; pergunte o que você pode fazer por você mesmo”.
Procedendo assim, você talvez obtenha uma resposta do que poderá fazer por seu país. [É preciso não esquecer, no entanto, os aspectos negativos da economia informal, a começar pelo fato de que, não pagando impostos, os camelôs desempenham uma concorrência desleal em relação aos comerciantes que os pagam, além da pesada carga das assim chamadas “obrigações sociais”].
No que diz respeito especificamente às ONGs, se não é válido dizer que participam diretamente do movimento neoigualitarista, também não o é dizer que se contrapõem a ele, pois, tal como ele, parecem não encarar com simpatia a competição leal no mercado livre e a mais recente grande manifestação da ordem espontânea: a globalização da economia e da troca de informações, que – ao contrário do que pensam os fiéis adeptos da “teoria da conspiração” [vide a este respeito Mendoza, Montaner e Llosa (1996)] – não resultou de nenhum projeto deliberado do G7 com vistas à dominação econômica dos demais países, porém dos avanços tecnológicos da informática, das telecomunicações e da abertura dos mercados entre as nações.
Mas se essa fabulosa conquista tecnológica não ensejou o surgimento de Big Brother, controlando tudo, até mesmo a vida privada das pessoas, é porque não foi desenvolvida sob o comando do porco Napoleon em uma sociedade pretensamente igualitária – porém extremamente tirânica, como a de Animal Farm. [Para os não-informados, referimo-nos, respectivamente, à personagem principal da utopia negativa intitulada 1987 e à deliciosa sátira intitulada Animal Farm (título da tradução brasileira: A Revolução dos Bichos), ambas da autoria de George Orwell, um ex-comunista que soube fazer uma autocrítica].
É por isto que, antes de ser um espaço da tirania e da dominação econômica, a Internet tem se mostrado um espaço da liberdade e da dinamização das diversas formas de interação daqueles que dela participam, não obstante o manifesto e freqüente desejo de regulamentá-la e manietá-la, proveniente dos inimigos da pluralidade e da liberdade de expressão.
A importância da sociedade civil organizada – fator crucial na vida das Treze Colônias da América, antes, durante e após sua independência – é algo que estaríamos dispostos a reconhecer de bom grado, caso dissociada de qualquer projeto neoigualitarista. H. Wainwright, porém, parece se recusar a separar uma coisa da outra. Referindo-se aos movimentos por nós denominados “neoigualitários”, diz ela:
A abordagem eclética, igualitária e, acima de tudo, social, que eles faziam do conhecimento subjazia a uma visão cética do Estado e do partido enquanto agentes exclusivos de mudança [o grifo é nosso]. A confiança na possibilidade de que fontes válidas de conhecimento adviessem das experiências subjetivas de opressão e exploração [obs.nossa: Como vemos, estas duas últimas palavras continuam indispensáveis do dicionário de todas as esquerdas] levou muitos dos participantes desses movimentos a acreditar firmemente, às vezes cegamente, em seu poder individual e coletivo de mudar o mundo [obs. nossa: porém não mais pela força das armas, nem somente por decreto]. A novidade desses movimentos se encontrava em parte no fato de que, diferentemente de muitos outros desde a obtenção do direito universal de voto, eles não viam como seu papel principal exercer pressão sobre o Parlamento. [obs. nossa: e eis uma asserção capaz de confirmar o que dissemos].
Na verdade, na maioria dos países da Europa ocidental, sua identidade histórica característica é a de movimentos criados pela primeira geração de adultos depois de uma experiência sustentada de governos conduzidos por partidos que afirmavam representar a classe trabalhadora. Todos os novos movimentos queriam mudanças que não podiam ser alcançadas simplesmente pressionando estes governos para que dessem mais daquilo que eles, da melhor forma possível, já tinham providenciado [obs. nossa: Como? Por meio de um “governo paralelo” tal como o proposto no Brasil por um Partido cujo candidato à Presidente foi derrotado nas três vezes urnas?]. (Wainwright, 1998, p.58-9, o grifo é nosso).
Apesar de muito longa, decidimos fazer essa citação, pois ela é bastante esclarecedora disto que estamos chamando de neo-igualitarismo. O annus mirabilis de 68 pode ter sido o estopim deflagrador desse movimento, mas, segundo pensamos, ele foi adquirindo suas feições através da década de 70 e ficou bem caracterizado na de 80.
Sua aparente aceitação da democracia, de um lado o separou nitidamente das esquerdas revolucionárias que, nas décadas de 60 e 70 – movidas pelo combustível fornecido pelas idéias de Lenin, Trotsky, Mao-Tsê-Tung ou Fidel Castro, se é que este tem idéias – consideravam que uma sociedade igualitária só poderia ser instaurada através da revolução do proletariado.
De outro lado, o aproximou bastante da assim chamada “revolução cultural” de A. Gramsci cuja estratégia consiste na tomada do poder pela esquerda mediante a lenta infiltração, não só nos quadros partidários como também nas fontes formadoras de opinião pública, tais como a mídia e as universidades [vide a este respeito Carvalho (1998)].
Se não é válido rejeitar os meios empregados por essa estratégia – uma vez que ela aceita, de boa ou má fé, o jogo democrático e se serve da propaganda político-cultural, fazendo o mesmo que qualquer ideologia política pode e deve fazer – isto não quer dizer que não seja válido criticar o fim a que se destina, pois – uma vez o tendo alcançado – pode, na melhor das hipóteses, implantar o neo-igualitarismo como doutrina oficial de um partido majoritário legitimado pelo voto e, na pior, tirar sua máscara democrática e revelar sua face autoritária.
Mas, entre os diversos riscos aceitos pela democracia, está justamente o da maioria dos eleitores não mais querê-la! Neste caso, é gerada uma situação assaz insólita: a democracia é – para usar a imagem do Bardo de Avon – Consum’d with that which it was nourish’d by [“Devorada por aquilo com que foi nutrida”] (Shakespeare: Soneto LXXIII).
O movimento da social-democracia – desde a época de E. Bernstein ao século XX (Benewick & Green, 1992, pp.23-5) – adotou, sem nenhum pejo, uma postura declaradamente reformista, como também sempre defendeu, com a maior veemência, uma forma de governo republicana associada a um regime parlamentarista.
Mas, se os social-democratas tinham em vista uma democracia representativa em que suas aspirações igualitárias eram remetidas para as decisões políticas de um Parlamento – cujos representantes gozavam da legitimidade conferida pelo voto – os neoigualitaristas têm colocado mais ênfase na sociedade civil organizada do que nas possíveis medidas “progressistas” tomadas pelos membros dos poderes Executivo e Legislativo. Assim sendo, não é de surpreender que esse novo igualitarismo retrocedesse em relação ao igualitarismo social-democrata e fosse buscar no século XVIII – mais especificamente na visão política rousseauniana – a idéia de uma democracia direta.
Ainda que estejamos dispostos a admitir que uma democracia direta possa ser a mais autêntica forma de exercício da soberania popular, sua efetiva viabilidade sempre enfrentou poderosos entraves, e se eles já se mostravam na Atenas do século V a.C – uma pequena Cidade-Estado com um número de escravos muito maior do que o de cidadãos – mostram-se com muito mais intensidade quando levamos em consideração as grandes populações das cidades e das nações da nossa época.
Como costumamos dizer, uma democracia direta só parece viável em pequenos cantões suíços em que não há grande dificuldade material para a realização de freqüentes plebiscitos ou então – coisa mais modesta mas não menos eficaz – em reuniões de condomínios. Talvez, a referida forma de democracia venha a se tornar viável em uma sociedade completamente informatizada em que todos tenham acesso a computadores, de tal modo que freqüentes plebiscitos possam ser feitos pela Internet, sem que isto venha a emperrar a requerida agilidade das tomadas de decisões dos governantes.
Contudo, é preciso por os pés no chão e reconhecer que ainda estamos longe de poder contar com essa possível e excelente contribuição da informática para o aperfeiçoamento da vida democrática. E ainda que venhamos a contar com a mesma em breve tempo futuro, não devemos endossar de modo acrítico as possíveis vantagens de um regime baseado em plebiscitos, sem refletir seriamente sobre suas possíveis desvantagens capazes de gerar um novo tipo de democratismo, semelhante à “tirania da maioria” justificadamente temida por A .de Tocqueville (1977).
Suspeitando da inviabilidade de uma democracia direta nas nossas condições históricas, os neoigualitaristas se voltaram para aquilo que costumam chamar de “democracia participativa” – expressão que fornece a forte impressão de se tratar de um belo pleonasmo, pois a participação dos representados faz parte da essência da democracia representativa, uma vez que podem fazer campanhas para seus candidatos, escolher seus representantes por meio do voto universal e secreto, acompanhar sua atividade legislativa, enviar sugestões, fazer lobbies e, em última análise – caso insatisfeitos com a representação a eles delegada – não reelegê-los.
Se a moralidade do lucro é o risco da falência – medida que passou a ser aplicada às companhias estatais até na China de Deng-Chiao-Ping, mas não às estatais no Brasil, país cuja mentalidade políticoeconômica é a vanguarda do atraso – a moralidade da democracia é o risco da não-reeleição. Se a primeira pressupõe a presença da competição leal e a ausência de reservas de mercado, etc., a segunda pressupõe um eleitorado consciente acompanhando de perto a atuação dos representantes do povo, de modo a verificar se eles estão se mostrando merecedores ou não do crédito concedido a eles pelos votos dos que os elegeram e pelo consentimento geral.
Mas se esses mesmos que participaram do pleito eleitoral nem se lembram mais em quem votaram nas eleições passadas, não parecem muito interessados na idéia de nenhuma democracia, nem representativa nem “participativa”, e – justamente por isto – acabam tendo mesmo os representantes que merecem. Como se pode alegar que eles não são legítimos representantes do povo? Eles são o que se pode chamar “a cara do povo” – e se ela é muito feia, que se pode fazer? Em vez de trocar de representantes, trocar de representados?
Resta acrescentar que o lobby em si mesmo – entendido como tentativa de persuasão exercida sobre representantes do povo, para fazer com que votem a favor ou contra determinado projeto de lei – faz parte do jogo democrático. Mas se, juntamente com a eloqüência e a pressão exercidas pelo(s) lobista(s), é oferecido dinheiro ou qualquer vantagem material em troca de uma decisão parlamentar, a coisa deixa obviamente de ser lobby e o lobismo passa a ser a arte dos lobos insaciáveis, ou seja: uma clara forma de corrupção ativa. (Pennock, 1979).
Mas que outras possíveis atividades desempenhadas por representados podem ser exercidas, para que uma democracia – além de representativa – passa a ser “participativa”?
Como é difícil imaginar quais sejam, somos levados a suspeitar que se trata de mais uma dessas success-words que pululam nos nossos dias – um adjetivo que pode não acrescentar nenhum significado ao substantivo “democracia”, assim como “social” nada acrescenta ao substantivo “justiça”, apesar de estas e outras expressões do mesmo tipo costumarem produzir efeitos bastante positivos de marketing político, principalmente sobre espíritos impensantes e incautos, que – independentemente de classe social ou grau de instrução – parecem, infelizmente, constituir a maioria dos eleitores em uma época em que o espírito crítico parece estar agonizando em seu leito de morte.
Às vezes, no entanto, a coisa vai um pouco além do referido efeito, quando é ligada à noção de democracia “participativa” a idéia de uma contribuição efetiva dos cidadãos na elaboração de um “orçamento participativo”. Ora, juntamente com a prática de uma democracia direta, em reuniões de condomínio – como se sabe – o síndico e os condôminos costumam elaborar um orçamento participativo. Só não participa da elaboração do mesmo aquele condômino que não deseja e que, por isto mesmo, não deve fazer nenhuma reclamação de qualquer decisão tomada pelos participantes, pois ele abriu mão voluntariamente de exercer um direito que lhe cabia.
De qualquer modo, vale dizer que a democracia não começa quando votos são depositados nas urnas, mas sim com as entediantes, porém indispensáveis, reuniões de condomínios e de comunidades de bairro – estas bem mais eficazes quando vigora o voto distrital (puro ou misto), ambos capazes de estimular uma aproximação maior dos representantes e dos representados, inibir falsas promessas costumeiramente feitas pelos primeiros aos segundos e favorecer os compromissos assumidos por ambas as partes.
Pode ser até que uma prefeitura de uma cidadezinha do interior possa realizar satisfatoriamente tanto a democracia direta como o orçamento participativo, mas quando aumenta drasticamente o número dos participantes, surgem insuperáveis empecilhos referentes à execução do processo. Aí a democracia corre o sério risco de se transformar em um assembleísmo, que não só emperra a agilidade das decisões como – o que é pior – abre as portas para a demagogia e para a manipulação dos participantes, no sentido de favorecer os interesses deste ou daquele grupo mais coeso e com maior poder de reivindicação. Aí estamos a um passo da ditadura da maioria, como advertiu oportunamente Tocqueville (1977).
E isto não está muito longe das causas que levaram ao fracasso da democracia ateniense. Em uma democracia representativa, no entanto, a prática de um orçamento participativo soa como uma grande incongruência, pois o eleitor – ao delegar poderes de representação a um representante – delega também a ele um poder de decisão. Mas se é assim, como pode o delegante querer interferir no processo decisório sem que, com isto, não usurpe o referido poder entregue por ele ao delegado? Porém, seja por ignorância ou má fé, os neoigualitaristas não costumam levar em consideração certas mediações indispensáveis na vida de uma democracia representativa.
O que é autenticamente democrático em uma pequena assembléia – como é o caso da reunião de condomínio ou de comunidade de bairro – pode deixar de ser em outras circunstâncias em que o aumento da quantidade prejudica a qualidade. O que é autenticamente democrático dentro da sociedade como um todo, pode não ser em determinadas instituições dentro desta mesma sociedade. E aqui temos em vista o caso particular da universidade. Em maio de 1968, os estudantes parisienses acalentavam idéias temerárias aliadas a raciocínios extremamente simplistas, como, por exemplo, o de que se as eleições são um processo democrático dentro do todo, porque não seriam dentro de uma parte do todo?
Ou seja: se são um processo democrático dentro da sociedade, por que não dentro da universidade? Desse modo, admitindo que efetivamente o fossem, professores, alunos e funcionários – estes últimos pertencentes ao quadro administrativo, porém alheios ao acadêmico – deveriam gozar do direito de eleger seu reitor, assim como gozam do direito de eleger aqueles que vão ocupar cargos no Executivo ou no Legislativo.
Mais que isso: os estudantes parisienses reivindicavam algo análogo ao “orçamento participativo” em que, entre outras coisas, os alunos participariam da elaboração de currículos. Se a primeira reivindição decorria de uma profunda incompreensão das peculiaridades da universidade como instituição cultural – entre outras coisas, teorias científicas e avaliação da competência dos alunos não devem ser eleitas pela vontade da maioria, mas sim pelos tecnicamente capacitados a julgar tais coisas – a segunda só podia ser encarada como uma piada de mau gosto.
Referências bibliográficas
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