Gay Talese, um dos fundadores do New Journalism (novo jornalismo), uma maneira de descrever a realidade com o cuidado, o talento e a beleza literária de quem escreve um romance, é um crítico do jornalismo sem alma e sem graça. Seu desapontamento com a qualidade de certa mídia pode parecer radical e ultrapassado. Mas não é. Na verdade, Talese é um enamorado do jornalismo de qualidade. E a boa informação reclama competência, rigor e paixão.
Segundo Talese, a crise do jornalismo está intimamente relacionada com o declínio da reportagem clássica. “Acho que o jornalismo e não o Times, está sendo ameaçado pela internet”, disse Talese. “E o principal motivo é que a internet faz o trabalho de um jornalista parecer fácil. Quando você liga o laptop em sua cozinha, ou em qualquer lugar, tem a sensação de que está conectado com o mundo. Em Pequim, Barcelona ou Nova York. Todos estão olhando para uma tela de alguns centímetros. Pensam que são jornalistas, mas estão ali sentados, e não na rua. O mundo deles está dentro de uma sala. Quando querem saber algo, perguntam ao Google. Estão comprometidos apenas com as perguntas que fazem. Às vezes, em nossa profissão, você não precisa fazer perguntas. Basta ir às ruas e olhar as pessoas. É aí que você descobre a vida como ela realmente é vivida.”
A fórmula de Talese demanda forte qualificação. “A minha concepção de jornalismo sempre foi a mesma. É descobrir as histórias que valem a pena ser contadas. O que é fora dos padrões e, portanto, desconhecido. E apresentar essa história de uma forma que nenhum blogueiro faz. A notícia tem de ser escrita como ficção, algo para ser lido com prazer. Jornalistas têm de escrever tão bem quanto romancistas.” Eis um magnífico roteiro e um formidável desafio para a conquista de novos leitores: garra, elegância, rigor, relevância.
A revalorização da reportagem e o revigoramento do jornalismo analítico devem estar entre as prioridades estratégicas. É preciso encantar o leitor com matérias que rompam com a monotonia do jornalismo declaratório. Menos Brasil oficial e mais vida. Menos aspas e mais apuração. Menos frivolidade e mais consistência. Além disso, os leitores estão cansados do baixo-astral da imprensa brasileira. A ótica jornalística é, e deve ser, fiscalizadora. Mas é preciso reservar espaço para a boa notícia. Ela também existe. E vende jornal.
Perdemos a capacidade de sonhar e a coragem de investir em pautas próprias. É hora de proceder às oportunas retificações de rumo. O nosso problema, ao menos no Brasil, não é de falta de mercado, mas de incapacidade de conquistar uma multidão de leitores. Ninguém resiste à matéria inteligente e criativa. Há espaço, e muito, para o jornalismo de qualidade. Basta cuidar do conteúdo. E redescobrir uma verdade constantemente negligenciada: o bom jornalismo é sempre um trabalho de garimpagem.
Fonte: O Globo, 06/02/2011
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