Enquanto a economia brasileira desindustrializa-se, o debate entre especialistas sobre como resgatar a indústria não está maduro, atrapalhando a construção de uma agenda econômica, que é mais necessária do que nunca diante do descompasso crescente entre a produção nacional e mundial. Produção estagnada eleva o risco de contração pela defasagem tecnológica crescente para muitos setores.
Resumindo o debate, há um grupo que acredita que a valorização da moeda é a principal causa da estagnação dos últimos anos e, desta forma, a depreciação cambial seria o caminho para revitalizar o setor, com a convicção que o câmbio fraco conseguirá compensar o chamado custo Brasil e, assim, garantir a competitividade do produto nacional.
Esse argumento, porém, não consegue explicar satisfatoriamente o descompasso recente do Brasil em relação ao mundo e aos pares da América Latina que igualmente tiveram suas moedas valorizadas. Quanto à recomendação, ele ignora o fato de a taxa de câmbio não ser factível de controle por muito tempo, principalmente em um país com baixa taxa de poupança, pois tentativas de forçar a depreciação acabam sendo acompanhadas de alta de inflação. Ainda que possa haver influência do câmbio sobre o desempenho da indústria, a proposta parece ingênua à luz dos desafios do setor.
Do outro lado do espectro, há o grupo que atribui a fraqueza da indústria ao rápido aumento dos custos de produção nos últimos anos, com destaque para o custo da mão de obra, passando por serviços e infraestrutura. Discutem, portanto, a necessidade de medidas estruturais voltadas ao capital humano, infraestrutura e instituições pró-crescimento, aliadas à redução de carga tributária e abertura comercial do país. Seria a combinação de elevar a concorrência na economia, mas ao mesmo tempo dando condições para a indústria competir.
O problema dessa agenda é viabilizá-la politicamente de forma tempestiva, enquanto grupos de interesse defendem a proteção de alguns segmentos da indústria em detrimento do restante da indústria e da economia.
A resposta do governo à estagnação da indústria, ainda que bem intencionada, tem sido de buscar atalhos por meio de políticas setoriais. O apelo dessas políticas é muito grande, tendo assim atingido cifras muito elevadas. Pior, a ênfase nesse caminho acabou afastando uma agenda de medidas estruturais e horizontais, que beneficiariam a todos.
A política setorial tem crescido em várias frentes: crédito subsidiado do BNDES, benefícios tributários, desoneração sobre a folha e proteções. Só as desonerações sobre a folha equivalem quase ao Bolsa Família (0,5% do PIB). Somadas ao subsídio do Tesouro ao BNDES, o valor total mais que dobra. Com as isenções de IPI, o valor praticamente triplica.
O principal problema dessas políticas é que elas acabam sendo pouco efetivas quando não acompanhadas e quando não há metas condicionando sua continuidade, o que é o caso brasileiro. Ajudam a melhorar margens de lucro, mas muitas vezes não geram aumento de produção, e muito menos investimento. Há evidências empíricas nesta linha para a política recente do BNDES. Pior, no longo prazo, as políticas tendem a se tornar contraproducentes ao proteger setores menos produtivos.
Mesmo com tantos estímulos, a produção industrial praticamente estagnou nos últimos anos. Não convém culpar a conjuntura internacional, pois enquanto a produção mundial está 11% acima do patamar pré crise global de 2008, o Brasil está ainda no campo negativo, com queda de mais de 1%. Mesmo a América Latina, onde países relevantes enfrentam enormes desafios, a marca é de aumento de 5% excluindo Brasil.
No momento atual, mais um efeito perverso dessas políticas, que há muito não se via: elas têm impactado severamente as contas públicas, elevando o risco macroeconômico, que penaliza a todos, ameaçando ainda mais sua própria eficácia.
No atual quadro internacional de menor disposição dos países desenvolvidos a financiar emergentes, este modelo de política econômica torna-se ainda mais arriscado.
Além disso, há sinais desanimadores vindos dos países emergentes que importam nossos produtos manufaturados. Preocupa particularmente a desaceleração na América Latina, região que responde por quase metade das exportações brasileiras de manufaturados. O menor crescimento na região praticamente coincide com a perda de ímpeto dos termos de troca dos países. Ou seja, ventos de proa afetam a região, com efeitos que se realimentam no Brasil pela importância da região para a indústria nacional.
Tornar definitivas as políticas setoriais adotadas em caráter provisório, que é o caso das desonerações, é um grande risco. Custo fiscal inquestionavelmente elevado, benefício bastante duvidoso e risco macroeconômico crescente. Reverter a desindustrialização em curso será uma tarefa muito difícil. Mais difícil ainda se o governo insistir na estratégia atual. A indústria brasileira corre o risco, não mais de estagnação, mas de encolhimento.
Eliminar a progressividade de impostos que penaliza cadeias de produção mais longas e substituir medidas setoriais por horizontais seriam os primeiros passos de uma estratégia de longo prazo. As distorções são tantas que sequer é possível identificar os setores onde o Brasil tem vantagem comparativa, provavelmente dadas por ganhos de escala e por suprimento de insumos nacionais. Há espaço para políticas setoriais.
Mas sem gigantismo e com muito cuidado. Deveriam ser complementares, jamais substitutas. Política boa é aquela que funciona e pode ser eliminada com o tempo, e não perpetuada.
Diante do impasse, que ao menos o maior consenso dos analistas quanto à urgência de ajuste fiscal enfraqueça o apelo de políticas setoriais equivocadas.
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