Será que a desaceleração em curso das economias emergentes terá impacto relevante nos países desenvolvidos? Intuitivamente, imagina-se que não faz sentido “o rabo abanar o cachorro”. No entanto, dado a crescente participação dos emergentes no PIB mundial, principalmente após a entrada da China na OMC em 2001, a intuição pode ser traída pelos fatos.
Pelas estimativas do FMI, a participação dos emergentes já superou a dos desenvolvidos em 2013, ficando ligeiramente acima de 50% ante 35% na média da década de 1990 e 21% na década de 2000. E os laços entre emergentes e desenvolvidos se estreitaram, pelos canais comercial e financeiro na última década.
Observando os ciclos de crescimento dos dois grupos de países (crescimento do PIB descontada a sua curva de tendência), nota-se uma crescente correlação entre emergentes e desenvolvidos desde a década passada, após o período de correlação em queda da década de 1990, provavelmente por conta das sucessivas crises que abateram os emergentes. Diferente de hoje, a participação dos emergentes no PIB mundial era baixa, não havendo contágio sobre os desenvolvidos, e vice-versa.
Para analisar melhor essa hipótese de contágio entre os grupos de países, foram utilizados dados mensais e trimestrais de produção industrial, uma vez que observações anuais de PIB impedem maiores conclusões, pela rapidez do contágio.
Numa primeira inspeção, nota-se que os dados recentes de produção industrial exibem um descolamento entre emergentes e desenvolvidos. Apesar de emergentes exibirem taxas de crescimento superiores a desenvolvidos (4,1% e 2,7%, respectivamente, no 4T13 ante o 4T12), a tendência inverteu-se recentemente.
Enquanto emergentes desaceleram, desenvolvidos mostram aceleração na produção industrial.
Dada a correlação entre os crescimentos de produção de emergentes e desenvolvidos e o improvável descolamento duradouro entre ambas, como se dará a convergência? Será que desenvolvidos vão ajudar emergentes, que poderão exibir reaceleração do crescimento, ou o menor crescimento dos emergentes irá reduzir o fôlego dos desenvolvidos?
É difícil ter uma resposta precisa, pela complexidade do tema e as muitas variáveis envolvidas. Muitos países emergentes se defrontam com problemas estruturais que não foram enfrentados na fase de bonança e lidam com os excessos da resposta à crise de 2008. Desenvolvidos sofrem com desequilíbrios fiscais e fragilidade do setor bancário, mas ao mesmo tempo estão num momento menos desfavorável do ciclo após anos de ajuste. Isso significa que surpresas podem ocorrer, dificultando grandes prognósticos.
Ainda assim, vale a pena explorar um pouco mais os dados para avaliar riscos, aplicando testes de causalidade (por antecedência temporal) entre os dados de crescimento da produção industrial de emergentes e desenvolvidos. Ou seja, é verificado se movimentos em uma delas precede no tempo os da outra, e vice-versa.
Na década de 1990, em linha com as baixas correlações entre os crescimentos do PIB dos blocos, não se identificou qualquer relação de causalidade, de qualquer lado.
Nos anos 2000, emergentes passaram a influenciar os desenvolvidos, e não o contrário, o que condiz com importância da entrada da China no cenário mundial. Por este resultado, a perda de fôlego de emergentes em curso poderá se traduzir em menor espaço para melhora de desenvolvidos.
Fazendo o exercício para o período recente, mas excluindo o ano de 2009 – quando a recuperação dos emergentes à crise global foi naturalmente mais rápida que a dos desenvolvidos, contaminando os testes estatísticos e criando falsamente a noção de que emergentes puxaram os desenvolvidos –, os sinais são dúbios. Num primeiro momento, são os emergentes que contaminam os desenvolvidos, invertendo a relação de causalidade mais adiante, depois de aproximadamente 6 meses.
De forma geral, a conclusão é que há um potencial de contágio de emergentes sobre desenvolvidos.
Foi feito o mesmo exercício para a relação entre EUA e emergentes. Até a crise de 2008, nota-se elevada correlação contemporânea entre as variações da produção industrial, sem haver, no entanto relação de causalidade temporal em qualquer direção.
Após 2010, o viés está mais para emergentes contaminando os EUA, e não o contrário. Assim, ainda que a crise nos emergentes não esteja diretamente no radar do Fed para o desenho da política monetária, ela tem algum potencial de atrapalhar o vigor da economia americana.
Moral da história: o rabo pode não abanar o cachorro, mas que pode atrapalhar, pode.
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