Já se tornou um lugar comum considerar uma pessoa de esquerda como progressista, como se houvesse uma equivalência entre esses termos. Tais ideólogos se atribuem uma imagem que, esperam, será acatada por todos, como se os cidadãos fossem tolos a aceitar outro embuste.
Todos os que não aceitam esse dogma são considerados como de “direita”, “conservadores” e reacionários, como se compartilhar esse credo fosse uma premissa básica de qualquer discussão. Ou seja, os ditos progressistas exigem dos seus oponentes a submissão prévia à sua crença, a aceitação de sua religiosidade política. Qualquer contestação desses fundamentos conduz ao opróbio e à heresia.
Há uma espécie de reconforto moral que repousa na indigência intelectual. Basta a recusa do pensamento que se satisfaz com esse tipo de lugar comum, que se satisfaz com as invectivas contra o capitalismo e os seus males. Daí surgem todas as diatribes contra o lucro e o egoísmo.
Tomemos esse último termo para melhor percebermos a perversão ideológica. O que é, na verdade, o egoísmo senão um nome que significa a satisfação dos desejos de cada um, dos seus interesses particulares ou, mais genericamente, o amor que a pessoa tem de si. O que há de errado nisso? Pretendem que uma pessoa não realize o seu desejo? Que não satisfaça seus interesses particulares? Que se açoite para exibir-se contra o egoísmo?
Marx já dizia que a verdade de uma ideia é a sua realização prática, sem o que teríamos utopias vazias e, pior ainda, de concretização possível. Ora, só podemos julgar a validade do socialismo através de sua realização na história.
Se olharmos para a história, constataremos como realizações socialistas, “progressistas”, a aniquilação da liberdade de escolha como a maior de suas façanhas, passando por uma noção bizarra de cidadania que torna todos os indivíduos súditos do Estado. O interesse coletivo, do estatal, se impõe, então, como forma de correção do “egoísmo”, levando, como se sabe, aos campos de reeducação, na verdade, campos de eliminação dos que se recusavam a essa política liberticida.
São famosos os campos de reeducação de Pol Pot, no Camboja, que resultaram no assassinato coletivo de 50% da população daquele país sob a égide comunista. Campos deste tipo tornaram-se famosos no livro “Arquipélago Gulag”, de Alexandre Soljenitsin, o mesmo ocorrendo com os milhões mortos sob o maoísmo, com cálculos preliminares entre 60 e 70 milhões de pessoas mortas.
O mais curioso nisto tudo é que a realização das ideias de esquerda levou, inclusive, à proibição de sindicatos, pois, segundo o dogma socialista, os “trabalhadores” estariam no Poder, não precisando de ninguém para representá-los. Legislação e Justiça trabalhista tampouco seriam necessárias, pois não haveriam conflitos para serem equacionados. O caminho estava, assim, aberto ao arbítrio e à tirania do Estado.
Enquanto isto, a sociedade do egoísmo, do lucro e do livre mercado foi equacionando os seus conflitos e contradições, criando formas de proteção efetiva dos trabalhadores, conferindo-lhes direitos. O capitalismo que, no dizer dos “progressistas”, seria a fonte de todos os males, tornou-se, na história da humanidade, aquele regime que melhor soube recriar-se, emergindo sempre novo de suas crises. Nas palavras de Schumpeter, o capitalismo se caracteriza pela “destruição criadora”. Poderíamos acrescentar: o socialismo pela “destruição aniquiladora”.
O capitalismo é o regime que melhor soube extrair as potencialidades da natureza humana, tomada em suas imperfeições constitutivas. Parte do ser humano enquanto desejante e, por isto mesmo, estabelece formas de mediação de conflitos e de preservação dos direitos dos outros. Nascerão de todo esse trabalho de mediação as condições de preservação dos contratos e a criação de um Judiciário independente, capaz de fazer vigorar a universalidade e a impessoalidade das leis.
A satisfação do desejo de cada um, a realização do egoísmo e do amor próprio, deverá passar necessariamente pelo respeito dos desejos e do egoísmo alheios, dando lugar a todo um sistema de direitos, baseado na livre escolha de cada um. Somente o capitalismo foi capaz de erigir um sistema legal e constitucional baseado, no nível político, no equilíbrio de Poderes entres as instâncias do Executivo, do Legislativo e do Judiciário; e, no nível individual, em regras igualmente válidas para todos.
Eis por que, no capitalismo, foi erigido todo um conjunto de normas visando a assegurar a liberdade sindical e de organização partidária. Como ninguém encarna a verdade e o bem, não havendo um partido que se diga, no exercício do Poder, a personificação da virtude revolucionária, todos devem se acomodar a um jogo de pressão e de contrapressão no nível sindical e, no nível político, em propostas que tenham como finalidade captar o voto dos cidadãos em nome de uma certa representação do bem comum.
Considerando que, nas sociedades capitalistas, todos devem ter um mínimo assegurado, foram desenvolvidas formas de atendimento de saúde e de assistência social visando, precisamente, a assegurar esse mínimo. Em alguns países capitalistas desenvolvidos, foi a saúde pública a criação mais adequada, em outros, formas de contribuição individual a partir das disponibilidades de cada um, partindo do pressuposto do trabalho de todos.
Note-se que, nos países de saúde pública, esta é real, o que não é o caso da propaganda socialista, como em Cuba, cujos hospitais carecem até de antibióticos. A única exceção é constituída pelos hospitais dos camaradas comunistas, a nomenclatura, que usufrui de privilégios inacessíveis à população em geral.
Poderíamos seguir com o auxílio desemprego, limites de horas de trabalho e assim por diante. Os benefícios do capitalismo são socialmente palpáveis. Contudo, a esquerda tupiniquim segue vendendo ilusões. Lá onde elas foram compradas pelo valor de face, como no socialismo real, o cortejo de desgraças foi o seu resultado.
Fonte: O Globo, 13/01/2014
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