As pessoas pagas para resolver os problemas no Brasil não sabem como resolver coisa alguma. A saída mais simples seria trocar gente com esse perfil por quem saiba e queira resolver – mas isso ninguém quer
Poucas coisas são detestadas com tanto vigor pelos administradores públicos do Brasil quanto ideias ou afirmações simples. Ficam fora de si cada vez que encontram uma delas pela frente. Podem ser os responsáveis pela execução de algum trabalho, ou os encarregados de achar soluções para problemas, ou os que têm como sua obrigação lidar com situações em que exista a possibilidade de surgirem dificuldades – todos eles, quase sem exceção, atiram antes de perguntar em qualquer proposta simples que lhes possa aparecer. Nos casos mais benignos, reagem com sarcasmo (“Santa ingenuidade!”), desprezo ou pura surdez diante do que ouviram. Nos casos mais malignos, respondem com impaciência agressiva, irritação neurastênica ou ódio em estado bruto. A coisa simples, nessas esferas onde cuidam da nossa vida, é o equivalente na sociedade civil ao rato, animal com notórios problemas de imagem. Desde sempre os ratos despertaram uma fúria incontrolável por parte dos homens; sempre que são vistos em algum lugar, mesmo no exercício de atividades perfeitamente lícitas, têm de fugir do grito milenar: “Mata o rato!” Na alta administração nacional, onde se estruturam projetos estruturantes e se aviam políticas públicas normatizantes, o grito é: “Mata o simples!”
Nada poderia ser mais simples para presidentes da República, por exemplo, do que descobrir o seguinte princípio – e, ato contínuo, tratar realmente a sério sua descoberta: “Os problemas que o Brasil não consegue resolver ficam sem solução porque as pessoas pagas para resolvê-los não sabem, pura e simplesmente não sabem, como resolver coisa alguma”. E possível alguém achar que os trens que transportam produtos de exportação para o porto de Santos – o maior do país – trafeguem a 2 quilômetros por hora, no trecho final da viagem, porque não há meios de melhorar uma tecnologia que existe desde 1815? Claro que não. Isso é assim porque o ministro, os subministros e os subs dos subs da área de transportes não têm a menor ideia do que fazer a respeito; se sabem o que fazer, não sabem como, nem quando, nem onde, nem por quê. E concebível que os portos brasileiros sejam tão espetacularmente ruins porque sofrem limitações causadas pelo movimento de translação da Terra, pela tábua de marés ou por algum outro fator incontrolável? Ou, pelas mesmas causas, que navios esperem 40 dias para carregar? Que caminhões façam filas de dezenas de quilômetros para descarregar? Ou que contratos para a venda de soja sejam cancelados porque das 12 embarcações que teriam de entregar só duas chegaram no prazo contratado? O caso, aqui, é ainda pior, porque foi criado um “Ministério dos Portos” só para resolver esse problema, em obediência ao credo segundo o qual dificuldades não se resolvem com gente capaz, trabalho, talento ou disciplina, mas com a invenção de novos ministérios. Quem não sabia resolver o problema dos portos antes do Ministério do Portos continua não sabendo depois do Ministério dos Portos.
Os exemplos aparecem pelos quatro sentidos da rosa dos ventos – e todos deixam mais do que óbvio que os problemas ficam sem solução no Brasil por causa de algo que se chama gente. Como é possível que um personagem capaz de se chamar “dr. Juquinha” tenha conseguido permanecer por oito anos seguidos num cargo-chave para a construção de uma das maiores ferrovias brasileiras, durante os governos Lula e Dilma Rousseff? Depois a presidente se queixa – mas, sinceramente, ela esperava o quê, com esse dr. Juquinha mandando num vasto pedaço de seu governo? Progressos sensacionais no avanço da ferrovia Norte-Sul? Só podia esperar, mesmo, exatamente o que aconteceu: seu notável gestor foi parar na cadeia, embrulhado num desvio de verbas que pode chegar ao montante de 1 bilhão de reais. Trocar gente com esse perfil por gente que saiba e queira resolver problemas, em vez de enriquecer, é o máximo que pode haver em matéria de coisa simples. Mas quem quer a coisa simples?
Fonte: revista “Exame”
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