Um respeitado economista de esquerda, o americano Robert Frank escreveu livro provocador concluindo que o sucesso financeiro é devido à sorte. (“Success and luck: good fortune and the myth of meritocracy”). Para ele, o mérito é um mito.
Benjamin Franklin achava que sucesso era resultado de esforço e persistência. Louis Pasteur, que “a sorte favorece a mente bem preparada”. E Keynes via a importância da intuição na ação humana.
O inglês Horace Walpole cunhou o termo serendipity e explicou que se tratava de palavra que fazia parte do título de um “simplório conto de fadas (“Os três príncipes de Serendip”); que, ao viajar, suas altezas sempre faziam valiosas descobertas, por acaso e sagacidade”. Serendip era o antigo nome do Ceilão, atual Sri Lanka.
Preocupações sobre o que comanda o futuro são antigas. Pensadores sumérios, há cinco mil anos, acreditavam “ser o destino humano imprevisível, pois seus deuses eram imprevisíveis” (Samuel Kramer). Mas Frank tem agenda política. Se sucesso financeiro é fruto da sorte e não do mérito, a distribuição de renda resultante é grande imperfeição social, e os governos deveriam fazer algo a respeito.
O livro de Frank é uma coleção de anedotas engraçadas. Mas levanta preocupação com o papel social dos muito ricos, consumistas hiperconspícuos. Mas as sugestões de economia política nada têm dos programas da esquerda que vemos por aqui. Sua principal proposta é substituir o imposto de renda progressivo por um imposto de consumo progressivo e investir em infraestrutura. Os bilionários “socialistas da Califórnia”, buscando harmonizar realidade com visão de mundo, concordam com a proposta do vizinho Robert Frank. Mas não acham que a grana deles veio da exploração entre classes ou da sorte. Reflete mérito em estado puro. É um socialismo diferente.
Frank não trata de assuntos fundamentais, tais como o do ambiente institucional. As mesmas ideias de pessoas semelhantes, aplicadas em países diferentes, têm resultados muito diferentes. Será que Bill Gates começaria a Microsoft no Brasil, trabalhando num CP-500 e com a Lei da Informática? Frank pede mais governo, mas ignora as enormes dificuldades da escolha pública. Um ano sabático no Brasil lhe faria bem.
David Cohen escreveu “A cultura da excelência” sobre a Fundação Estudar. A fundação dá central importância à excelência educacional e ao mérito. Seleciona brasileiros motivados para estudarem nas melhores escolas de pós-graduação dos EUA e da Europa. O Instituto Ling também faz o mesmo, com a mesma competência. Depois de 25 anos, milhares de brasileiros e brasileiras estão aptos para dirigir e empreender. São descobridores de oportunidades (serendipistas) que modernizam o ambiente empresarial brasileiro e entendem o papel do mérito na eficiência de empresas e instituições.
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O drama dos serendipistas são as expectativas sobre o futuro. Se o futuro fosse conhecido, não haveria erro. Mas a ignorância sobre o futuro é “inescapável característica da condição humana” (J. Buchanam). Empreendedores fazem escolhas em ambientes de muita incerteza. Daí surge o erro, que se confunde com azar. Daí vem o acerto que se mistura com sorte. Frank tem alguma razão. O acaso existe.
Fonte: “O Globo”, 21/07/2017.
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