Quando três parlamentares petistas entraram com o pedido para tirar da cadeia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na última sexta-feira, 32 minutos depois do início do plantão do juiz Rogério Favreto no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), o Brasil já estava fora da Copa do Mundo. A batalha de decisões de ontem despertou mais emoções que uma partida da seleção.
Favreto foi filiado ao PT entre 1991 e 2010, indicado desembargador no TRF-4 pela ex-presidente Dilma Rousseff em 2011 – sem jamais ter sido juiz, entrou como representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) numa vaga preenchida pela regra do quinto constitucional – e único dos 14 juízes da corte a votar por abrir processo disciplinar contra Sérgio Moro em 2016, em virtude da divulgação de conversas entre Lula e Dilma.
Emitiu ontem três decisões mandando libertar Lula, a primeira (de 13 páginas) menos de 38 horas depois do pedido dos petistas Wadih Damous, Paulo Teixeira e Paulo Pimenta. A segunda, depois que Moro, citado por Favreto, solicitou à Polícia Federal (PF) que aguardasse uma decisão do relator do processo, o desembargador João Pedro Gebran Neto. A terceira, depois de contestado por Gebran, dando à PF uma hora para soltar Lula. Só sossegou no início da noite, quando o presidente do TRF-4 retirou o processo do plantão e mandou devolvê-lo a Gebran.
O argumento que Favreto usou para mandar soltar Lula é tão-somente ridículo. Basicamente, disse que Lula, como pré-candidato à Presidência pelo PT, tem direito a estar livre para fazer campanha. Isso mesmo. “Esse direito a pré-candidato à Presidência implica necessariamente na (sic) liberdade de ir e vir pelo Brasil ou onde a democracia reivindicar”, escreveu. Pouco importa, para Favreto, que a Lei da Ficha Limpa proíba explicitamente a candidatura de condenados em segunda instância.
Pela lógica de Favreto, quem cumpre pena por condenação criminal e recorre de decisão da segunda instância tem agora uma estrategia infalível para sair da cadeia. Basta candidatar-se a algum cargo e argumentar que a democracia “reivindica” sua presença pelo Brasil todo. Precisa, portanto, ser solto. Deu pra entender?
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Até o final de junho, de acordo com um levantamento do jornal “O Estado de S. Paulo”, Lula havia entrado com nada menos que 78 recursos no processo em que foi condenado como proprietário oculto do apartamento no Guarujá, reformado segundo suas especificações pela empreiteira OAS. Perdeu todos aqueles que foram julgados: na vara de Moro, no TRF-4, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF). Não existe, portanto, discussão jurídica alguma sobre a condenação de Lula nem sobre sua prisão.
O que existe – e isso fica claríssimo pela própria argumentação usada na decisão de Favreto – é uma campanha política. A esta altura, o PT tem perfeita noção de que a lei impedirá a candidatura Lula. Mas precisa dela viva se quiser ter alguma chance de retomar o poder. As pesquisas que incluem o nome de Lula o põem na frente dos demais candidatos. Qualquer indicado por ele – como o ex-governador baiano Jaques Wagner ou o ex-prefeito paulistano Fernando Haddad – seria competitivo.
A demora em tomar uma decisão por outra candidatura faz sentido para sustentar a narrativa de que Lula é uma vítima de uma conspiração entre Justiça, Ministério Público, polícia, imprensa, bancos, empresários e de tudo aquilo que se possa abrigar sob o termo genérico “elites” – e não um criminoso comum que se aproveitou do cargo de presidente em benefício próprio, recebendo benesses pagas com o dinheiro desviado da Petrobras por diretores indicados com sua bênção.
Mas o preço da demora petista em definir uma candidatura alternativa tem sido o crescimento de candidatos de outros partidos, em especial o ex-governador cearense Ciro Gomes. O pior cenário para o PT será entrar de coadjuvante no barco de Ciro quando a campanha já estiver avançada. Implicará uma perda de poder substancial para um partido que detém um nome de apelo popular como Lula.
É isso o que explica o futebol jurídico de ontem. A partir de hoje, petistas poderão dizer que a PF descumpriu a ordem de um desembargador e manter viva sua fantasia de que Lula é vítima da tal conspiração. O objetivo deles será transformar a campanha não num debate produtivo sobre o Brasil – mas numa discussão jurídica irrelevante sobre a prisão de Lula e seu direito a ser candidato. Enquanto for possível manter a ilusão, acreditam poder conter o crescimento de Ciro e outros adversários.
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Para manter o nome de Lula na pauta, vale tudo: chuva de habeas corpus no Supremo (até que caiam com um ministro “simpático” ou sejam julgados na Segunda Turma), recursos de toda sorte ao STJ, argumentos em profusão contra Moro e os demais juízes que condenaram Lula, campanha da militância e de intelectuais engajados em livros, filmes e nas páginas da imprensa – e até aproveitar as poucas horas em que um juiz simpático ao PT está de plantão no TRF-4, malandragem equivalente a tentar pôr a bola com a mão pra dentro da rede, na esperança de que nenhum juiz de vídeo vá prestar atenção. Vai que cola.
Fonte: “G1” / Blog do Helio Gurovitz