Lei da Ficha Limpa aumenta volume de ações analisadas pela corte eleitoral; 23 processos ainda não tiveram julgamento concluído
cinco meses das eleições de 2014, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não conseguiu zerar o estoque de recursos relacionados a candidatos que participaram das eleições municipais de 2012. Até a última sexta-feira, o TSE ainda se debruçava sobre 23 processos, de um universo de 8.031. Por trás do atraso da Justiça Eleitoral está a explosão de recursos relacionados à aplicação da Lei da Ficha Limpa, que foi usada pela primeira vez na última eleição para a escolha de prefeitos e vereadores.
Por causa da Ficha Limpa, que tirou da disputa os candidatos com condenação por tribunal colegiado, o volume de recursos eleitorais cresceu cerca de 41%, na comparação com a eleição municipal de 2008. Do total de 8 mil recursos, 3.348 foram relativos à Lei da Ficha Limpa. Ou seja, de cada dez recursos que aterrissaram no órgão, quatro diziam respeito à nova legislação.
O TSE não contabilizou quantos candidatos foram barrados pela Ficha Limpa em seu primeiro ano de aplicação. Muito menos identificou quantos foram liberados para a disputa depois do julgamento, sob o argumento de que o levantamento teria que ser feito caso a caso. Porém, é possível afirmar que, dos 23 processos da eleição passada ainda inconclusos, 18 deles tratam da execução da nova lei.
Sem estatística sobre aplicação da lei
Entre especialistas, a ausência de uma estatística prejudica o entendimento sobre o impacto que a Ficha Limpa vem tendo sobre o processo eleitoral. No entanto, um dos principais incentivadores do texto que coibiu a participação de políticos corruptos nas eleições, o juiz eleitoral Marlon Reis, admite que o Judiciário não tem preocupação com esse tipo de informação.
– O número (de recursos ao TSE) é muito relevante e mostra o impacto real da Lei da Ficha Limpa. Antes dela, esse debate sobre inelegibilidade era mais pontual. Agora, seria importante saber quantos (políticos) foram barrados com base nela. Como juiz, sei que o Judiciário não se preocupa em gerar esse tipo de informação, mas ela é fundamental – afirmou Reis, que integra o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE).
A demora da Justiça para concluir a análise de um volume cada vez maior de recursos chacoalhou, nos últimos meses, diversas cidades Brasil afora. Desde o início de abril, o município piauiense de Palmeirais, que fica a 100 quilômetros de Teresina e tem 15 mil habitantes, está sem prefeito. Na primeira semana de abril, o TSE determinou que Paulo César Vilarinho (PTB), que havia sido cassado em primeira instância por infidelidade partidária, voltasse à prefeitura. Diante da ordem, seu interino, Reginaldo Júnior (PDT), deixou o posto imediatamente. Mas o acórdão da decisão do TSE ainda não foi publicado.
Entre um e outro, a cidade ficou três dias sem energia elétrica, e os moradores não tiveram a quem recorrer. Fizeram protestos e atacaram prédios como o da Eletrobras Distribuidora Piauí e da companhia de água Agespisa. A situação política em Palmeirais seguia indefinida na última sexta-feira.
Piedade dos Gerais (MG), na região metropolitana de Belo Horizonte, é outro município que enfrenta uma inusitada instabilidade política devido à disputa em torno da aplicação da Ficha Limpa. Com menos de 4.700 habitantes, a pequena cidade é hoje administrada por um de seus vereadores e deverá ter uma eleição fora de época. É que o prefeito Rogério Mendes (PR), eleito em 2012, foi cassado pela Justiça Eleitoral juntamente com seu vice, depois que as contas de sua gestão anterior, de 2008, foram rejeitadas. Na linha sucessória, prevista em lei, o presidente da Câmara deveria assumir o cargo, mas o vereador Geraldo Magela (PP) não poderá permanecer no cargo porque Mendes teve votação superior a 50% dos votos válidos no pleito. A cidade aguarda, então, a definição da data para seu novo pleito municipal.
Na Bahia, um dos casos mais complicados acontece em Amélia Rodrigues, cidade que fica a 80 quilômetros de Salvador. O prefeito é Toninho Paim (PT), mas ele teve contas reprovadas pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) e pela Câmara de Vereadores. Por isso, perdeu seu registro de candidatura por meio de uma liminar. Há um ano, teve seu diploma cassado, mas permanece no posto, dizendo que “hora nenhuma” foi afastado.
Em Pernambuco, três municípios já tiveram eleições suplementares porque, depois de eleitos, seus prefeitos foram reconhecidos como fichas sujas. Houve novos pleitos nas cidades de Primavera, Brejo da Madre Deus e Santa Maria da Boa Vista. No caso de João Alfredo, a 106 quilômetros de Recife, houve o caso emblemático do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti (PP).
Envolvido no escândalo do “mensalinho”, ele tentava se reeleger, em 2012, como prefeito, mas foi barrado pelo juiz Hailton Gonçalves da Silva por ter renunciado ao posto de deputado como forma de escapar da cassação. Diante da barreira imposta pela aplicação da Lei da Ficha Limpa, Severino desistiu da candidatura e perdeu João Alfredo para Maria Sebastiana (PTB), principal nome de oposição.
No Rio, estado que chegou a ter mutirões judiciais de até sete horas para julgar ações eleitorais, um dos processos que mais chamou a atenção foi o de Mário de Oliveira Tricano (PP), o candidato mais votado à prefeitura de Teresópolis, na Região Serrana. Tricano concorreu com registro indeferido, mesmo assim teve 27 mil votos. Ele recorreu ao TSE, mas o plenário da Corte indeferiu sua candidatura, seguindo entendimento do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ). Tricano foi condenado por abuso de poder político e econômico e uso indevido dos meios de comunicação nas eleições de 2008. Ele havia sido condenado à inelegibilidade por três anos, mas a Lei da Ficha Limpa aumentou o prazo de inelegibilidade para oito anos, e Tricano perdeu a prefeitura para Arlei de Oliveira Rosa (PMDB), que computou 24 mil votos.
Em Novo Hamburgo (RS), uma das principais cidades da região metropolitana de Porto Alegre, o prefeito reeleito Tarcísio Zimmermann (PT) foi impedido de assumir na eleição municipal de 2012 por ter participado, oito anos antes, da inauguração de uma obra a convite do então governador Germano Rigotto (PMDB). O prefeito perdeu o registro devido à Lei da Ficha Limpa.
O prefeito havia sido reeleito ainda no primeiro turno com ampla maioria de votos, chegando a quase 54% de preferência do eleitorado local. Mas um recurso do PMDB ao TRE trouxe o caso de 2004 de volta à pauta e Zimmermann acabou perdendo o registro da candidatura. Os votos no candidato (mais de 50%) foram considerados nulos, o que provocou a necessidade de uma nova eleição.
Os 178 mil eleitores foram novamente às urnas no dia 3 de março de 2013 e elegeram o candidato indicado por Zimmermann — o então deputado Luís Lauermann (PT). De janeiro até o dia da eleição a cidade foi governada pelo presidente da Câmara de Vereadores, Antônio Lucas (PDT). No estado, em 2012, 25 candidatos a cargos majoritários (prefeito e vice-prefeito) tiveram seus registros impugnados pelo TRE devido à Lei da Ficha-Limpa.
Tempo para unificar entendimentos
Nos primeiros dois anos de aplicação da Lei da Ficha Limpa, além da demora para a análise de processo, também houve algumas mudaças importantes relacionadas à interpretação da legislação. O TSE, por exemplo, ajustou o entendimento sobre a participação de candidatos com irregularidades verificadas em contas de gestões anteriores. Somente depois de discussões na Corte, ficou consolidado que a irregularidade nas contas públicas deve ser intencional para que um candidato seja retirado da disputa. Se não houve dolo, o tribunal estabeleceu que a inelegibilidade não fica configurada.
As jurisprudências na campo da Lei da Ficha Limpa, porém, também estão suscetíveis as mudanças bruscas que ocorrem na composição do TSE, uma vez que a Justiça Eleitoral não conta com juízes permanentes.
– Deve-se levar em consideração que o fato de os tribunais eleitorais não contarem com juízes permanentes leva a alterações jurisprudenciais, muitas vezes ocasionadas pela mudança de seus membros. Às vezes, essas alterações acontecem em sentido diametralmente oposto à interpretação dada anteriormente ao caso concreto – lembrou Sandra Cureau, que, em 2012, era vice-procuradora-geral eleitoral e atuava nas sessões do Tribunal Superior Eleitoral.
Fonte: O Globo
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