Os preços dos produtos primários estão em alta desde o início do século. Essa alta coincide com a ascensão da China no cenário mundial. Atrás da China, vem a Índia, com similar apetite por produtos naturais. Tudo indica que entramos numa nova fase de valorização dos produtos primários – como ocorreu quando a Inglaterra ditava o tom da economia mundial, no século 19.
Durante o século 20, os EUA deram as cartas na economia mundial. A abundância de recursos naturais desse país esteve por trás da tendência de queda dos preços dos produtos primários no período. E essa tendência negativa tornou popular na América Latina a tese de Raul Prebisch, da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), segundo a qual o caminho para o Primeiro Mundo passava pela industrialização substitutiva de importações, pois a alternativa de exportar produtos primários estava fadada ao fracasso.
No último quartel do século passado, ganhou popularidade no mundo acadêmico a tese da “maldição dos recursos naturais”, segundo a qual haveria uma relação inversa entre a taxa de crescimento de um país e sua riqueza em recursos naturais. A essa maldição se somou a tese da chamada Doença Holandesa, segundo a qual uma bonança de recursos naturais seria maléfica para os países produtores, por gerar uma tendência à desindustrialização. Tanto a tese de Prebisch como a maldição e a doença ganharam popularidade por aparentemente justificarem o pífio desempenho econômico da América Latina e da África, em comparação com os tigres (e agora também os elefantes) da Ásia.
Mas há importantes contraexemplos de países ricos em recursos naturais extremamente bem-sucedidos. Chile é o país latino-americano que mais cresce e sua pauta exportadora é dominada por cobre e outros produtos primários. Noruega é o país mais rico do mundo, e só exporta praticamente petróleo. EUA e Suécia se desenvolveram com base na abundância de seus recursos naturais, tal como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, cuja pauta exportadora ainda depende deles. Será que é preciso ser membro da “elite branca de olhos azuis”, como a denominou um ex-presidente, para beneficiar-se dos recursos naturais?
Não se trata de uma questão racial, mas de qualidade das instituições. Países com boa governança, como os acima citados, conseguem bem administrar a abundância que têm de recursos naturais, pondo-os a serviço do crescimento de longo prazo. Países com governança ruim, como ocorre em boa parte da América Latina e da África, sucumbem à maldição dos recursos naturais, pois a abundância destes alimenta a concentração de renda, a ganância e a corrupção imperantes nesses países.
Há uma década, ocorrem no Brasil a redução da participação da indústria no PIB e um aumento da parcela dos produtos primários nas exportações. Ao contrário dos efeitos perversos que essa desindustrialização supostamente deveria ter, o que observamos neste período foi o maior crescimento do PIB per capita, além de desconcentração espacial da produção e melhor distribuição de renda. Isso se explica porque os recursos naturais são explorados com eficiência e estão espalhados pelo País, gerando demanda por mão de obra com menor qualificação, cuja oferta é grande.
A exploração do petróleo do pré-sal deverá fortalecer a tendência à “desindustrialização” e à “reprimarização das exportações”. Mas não nos iludamos de que isso exija ainda maior proteção das indústrias no País, pois indústrias só geram riqueza quando são competitivas internacionalmente, não quando necessitam de proteção alta e continuada para sobreviver. O importante será fortalecer nossas instituições de governança, levando a melhor educação, mais inovação e visão de longo prazo na aplicação dos recursos. Assim, quem sabe o Brasil poderá, no século 21, desenvolver-se junto com a Ásia, como ocorreu com os EUA e a Inglaterra no século 19.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 10/12/2011
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