Pelo artigo 1º da Constituição de 1988, o Brasil deveria ser uma República Federativa. Porém, na divisão de competências e, em especial, dos tributos, o país aproxima-se de um Estado Unitário, dada a concentração no âmbito da União. Política e socialmente, não existe uma nação, mas uma profunda fragmentação entre as regiões que, como reflexo, têm visões díspares do papel do Estado e da sociedade. Por isso, qualquer reforma macro (política, previdenciária, tributária etc.) ou não avança ou sai uma colcha de retalhos na tentativa de atender à multiplicidade de interesses impactados.
Esse diagnóstico não é novo, mas talvez precise de uma solução ainda pouco debatida. Em meio a discussões sobre a instalação de uma Assembleia Constituinte, o Brasil pode reorganizar-se o mais próximo de uma confederação. Os modelos são variados, mas as premissas parecem simples.
À União deve caber a harmonização das relações entre os estados, o que não precisa ir além de cuidar da defesa (Forças Armadas), da moeda (Banco Central) e da Justiça Nacional, reduzida ao Supremo Tribunal Federal, ao Superior Tribunal de Justiça e ao Superior Tribunal Militar.
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Aos estados, cabe cuidar das relações jurídicas e econômicas no seu território, sejam civis, trabalhistas, penais, fiscais etc. Já os municípios cuidam das questões locais, menos do ponto de vista legislativo e mais do ponto de vista executivo.
Do lado orgânico, a Câmara Federal deixa de existir, porque os interesses dos cidadãos brasileiros passam à alçada de seus estados. Remanesce o Senado Federal, fórum de debate entre os entes estaduais. No Executivo pode haver um presidente, mantido o presidencialismo, ou um primeiro-ministro, adotado o parlamentarismo, com muito menos relevância do que hoje. No nível municipal, as câmaras de vereadores existiriam apenas a partir de certo número de eleitores. Nos demais casos, o governo local seria conduzido pelo Executivo.
A força política estaria concentrada nas Assembleias Estaduais e nos governadores. Como estão mais próximos dos eleitores do que aqueles agentes que, hoje, ficam em Brasília, ditarão os rumos de seus respectivos estados em linha com as convicções particulares de seus eleitores. Se determinado estado não quiser uma lei trabalhista, enquanto outro quiser que todos os trabalhadores tenham estabilidade como os servidores públicos, sem problemas. Cada um com seu regime. O mesmo vale para temas como liberação de uso de entorpecentes, tipificação de determinados crimes, previdência etc. Cada estado escolhe seus caminhos e, naturalmente, arca com as diversas consequências.
Alguém dirá que isso implantaria um caos, pois cada estado teria uma legislação e seria impossível a realização de transações interestaduais. Não parece verdade. Mesmo hoje, com a União editando a maioria das leis, cada estado, na prática, tem a sua lei, conforme entendimento dos seus Tribunais. Qualquer advogado que já atuou em mais de um estado já ouviu de cartorário, juiz e até desembargador que, naquele estado, o Código de Processo Civil, o Código Civil e até o Código Penal são diferentes.
Hoje o imbróglio cai no Superior Tribunal de Justiça, atolando a Corte com absurdos jurídicos. Na confederação, bastará que os contratos elejam a que estado (Lei e Justiça) se submeterão. A dúvida de hoje sobre os diversos Códigos estaria mitigada. Já os direitos e obrigações oriundos de atos ilícitos, naturalmente seriam disciplinados pelas normas do local de sua ocorrência.
Do ponto de vista fiscal, a União ficaria com um imposto substituto do ICMS, relativo à circulação de mercadorias e serviços entre estados, mas em uma alíquota bem menor, haja vista o enxugamento das atribuições federais. Aos estados caberiam os tributos sobre a renda das pessoas com sede em seu território e sobre os negócios intermunicipais. Aos municípios caberiam os tributos sobre o patrimônio imobiliário e veicular.
A carga fiscal vai depender de como se vê o papel do poder público. Para os estados que o quiserem maior, mais tributação. Para os que o quiserem menor, menos.
Utopia? Hoje o Brasil já o é, como Estado Unitário sem nação. Seu passado e seu presente são sofríveis e, pelo visto, não há muita luz no fim do túnel. Brasília é uma piada de mal gosto. Se já fizeram tanto mal, com falcatruas em um nível que ninguém na história deste país poderia achar possível, talvez o bem da República Confederativa do Brasil não seja tão inviável assim.
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