O mais novo escândalo na Petrobras tem sido tema constante do noticiário e do atual debate político. A própria presidente Dilma concordou, no sábado, que houve desvios na estatal. Como solução concreta, só disse que gostaria que a sociedade fosse ressarcida de todo o dinheiro desviado. Na hipótese de continuidade do seu governo, certamente pode tentar fazer uma faxina aqui e ali. Que, em realidade, não resolverá a raiz do problema, como já vimos no passado.
A oposição, por sua vez, usa as investigações da Petrobras como munição de campanha. Com ênfase apenas na crítica, pouco esclarece à opinião pública como tentará evitar futuros desvios e intervenções. Bordões genéricos, como “melhorar a governança das estatais”, já sabemos que são insuficientes. Basta um governo tentar reformar que o outro vem com a tentação de se apropriar da máquina.
O que realmente deve ser feito? Vale notar que a pressão sobre as estatais vem de dois lados principais. Primeiro, do nosso próprio presidencialismo de coalizão: os políticos veem nas estatais uma imensa e inesgotável fonte de recursos. Posições importantes nas estatais permitem o controle de contas gigantescas para retroalimentar a engrenagem política. Poderíamos chamar o novo escândalo da Petrobras de “corrupção livro-texto”: alguém na estatal controla determinadas contas, que são repassadas a empresas escolhidas, que então recompensam os partidos da coalizão via doações no caixa 2.
Mas não é só isso. Mesmo que deixemos essas transações à parte, as estatais ainda são uma fenomenal ferramenta ao bel-prazer da agenda privada do governo em exercício. Investimentos delas podem ser direcionados por objetivos políticos e até geopolíticos. No atual governo, a Petrobras foi largamente usada como instrumento de controle da inflação, via represamento dos preços da gasolina, ainda que com impacto muito negativo sobre seu caixa e sua capacidade de investimento.
A solução definitiva para tais problemas passa necessariamente pela criação de freios e contrapesos institucionais contra a invasão política das estatais. O primeiro grande passo é reconstruir o papel institucional das agências reguladoras. Vistas como subproduto do processo de privatização, elas foram amplamente enfraquecidas e aparelhadas. Muitas deliberações governamentais sobre a Petrobras passam ao largo da agência do setor, a ANP. No setor elétrico, a proposta de renegociação dos contratos em 2012 foi feita à revelia de muitos técnicos da Aneel.
Com agências enfraquecidas e um sistema político voraz, o que aconteceu não deve causar estranhamento. A título de comparação, considere a Statoil, empresa norueguesa de petróleo. Ali, é muito difícil de algum político ou governante mandar. A escolha dos gestores independe do ciclo político. Uma agência reguladora, a Norwegian Petroleum Directorate (NPD), estabelece critérios similares para empresas estatais e privadas. Composta por profissionais respeitados e de grande conhecimento do setor, a NPD tem peso e legitimidade para criar regras estáveis e baseadas em critérios técnicos.
Além disso, conforme sugerido por minha coautora Mariana Pargendler, há a possibilidade de criar uma lei particular que crie limites e direcionadores para a governança de empresas controladas pelo Estado. Elas devem ter um mandato claro, seus investimentos devem seguir critérios transparentes e os governos devem ter a responsabilidade legal de não prejudicar suas operações. É inconcebível, por exemplo, que um governo intervenha numa estatal à custa de sua saúde financeira e de acionistas minoritários que acreditaram e investiram na empresa – incluindo, no caso da Petrobras, trabalhadores que compraram ações com seu FGTS.
O próximo governo, se quiser de fato resgatar suas controladas, deve tentar limitar a sua própria capacidade de intervir, ao mesmo tempo criando um mandato claro e estável de atuação para aquelas empresas. É preciso entender de uma vez por todas que as estatais devem servir ao Estado, e não ao governo no poder.
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/10/2014
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