*Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli
Neste momento em que o desarranjo macroeconômico gestado ao longo do primeiro mandato de Dilma Rousseff apresenta sua pesada conta ao cidadão, é necessário retomar as discussões envolvendo os erros também cometidos na área microeconômica pelos governos petistas.
Em 2003, uma das primeiras medidas do governo Lula foi a substituição do presidente da Anatel. Assim como fizera o general Costa e Silva em 1967, ao passar por cima da independência do Banco Central, Lula ignorou a independência da agência reguladora, trocando um microeconomista sem vinculações partidárias, com formação acadêmica em regulação e contratos e larga experiência prática, por um militante oriundo do movimento sindical do setor. Era sinal de que o novo governo considerava as agências órgãos de governo e não de Estado. Os movimentos nas outras agências não diferiram, tendo as nomeações políticas e o apadrinhamento virado a regra. Em alguns casos colheram-se (literalmente) desastres, como o apagão aéreo de 2006 e 2007; em outros a uma lenta, mas clara, deterioração do funcionamento de mercados, como bem ilustra a situação atual do setor elétrico, vítima de novos equívocos como a medida provisória nº 579.
[su_quote]São necessárias reformas estruturais que enfrentem decididamente as distorções microeconômicas[/su_quote]
As intervenções, que levaram à piora da eficiência geral da economia e do funcionamento de mercados específicos nos últimos 12 anos, repetiram políticas que já não haviam dado certo no passado. Por exemplo, a antiga Lei de Similaridade Nacional e a malfadada Reserva de Mercado da Informática foram incapazes de gerar indústrias competitivas. A proteção excessiva desestimulou a inovação e inibiu a disseminação de pesquisa e desenvolvimento, bem como impediu a adoção de tecnologias de ponta criadas fora do país. A estratégia trouxe um grande atraso tecnológico e redução da eficiência da economia brasileira.
Repetindo os mesmos erros, os três governos do PT reintroduziram medidas protecionistas que isolaram crescentemente o Brasil das correntes de comércio internacional. O IPI diferenciado para automóveis importados por montadoras não instaladas no país – decisão tomada no âmbito da Fazenda, sem qualquer consulta ao Itamaraty – ainda trará dissabores futuros junto à OMC. As maiores tarifas de importação, bem como proteções não tarifárias por meio de requerimentos de componentes nacionais, e o crescente uso de medidas antidumping vão na mesma direção. No primeiro caso há ainda o agravante de se eliminar qualquer incentivo para a melhoria da qualidade dos produtos de fornecedores nacionais. Além disso, os índices de conteúdo nacional meramente indicam um percentual a ser cumprido, sem dirigir esforços para áreas onde o retorno em termos tecnológicos seria maior.
A implantação de políticas industriais a partir de 2003, seja via planos específicos como o Brasil Maior, seja através do aumento de repasses do BNDES e demais bancos públicos, reeditou os fracassos do passado. O Plano Brasil Maior, como os anteriores, não atingiu suas metas macroeconômicas – a taxa de investimento caiu e a participação nas exportações mundiais não avançou –, tampouco as microeconômicas. Houve queda do produto industrial. A PINTEC – Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica – mostra que, apesar de todos os incentivos diretos e políticas setoriais, não se logrou induzir empresas do setor a aumentar seus gastos em P&D nem a gerar mais inovações. Em um mundo protegido da concorrência e com crédito subsidiado, para que incorrer nesse custo? Exemplo didático de como se jogar no lixo recursos escassos em um setor onde o país dificilmente se tornará competitivo, reeditaram-se os estímulos à indústria naval, desta vez acoplados à exploração petrolífera. Tal como no passado, o resultado foi um renascimento tão acelerado como passageiro.
No caso dos pesados subsídios do BNDES, a despeito de seu elevadíssimo custo fiscal, não há qualquer evidência confiável de que tenham tido contribuição relevante ao avanço da economia brasileira. Ao contrário, em artigo recente, Bonomo, Brito e Martins utilizam dados do Banco Central para mostrar que o impacto sobre o investimento foi nulo: os autores mostram que firmas que receberam empréstimos do banco não investiram mais que firmas similares que não receberam empréstimos. Além disto, estes empréstimos privilegiaram firmas grandes, mais antigas e com acesso a crédito privado. Ao se escolher setores e empresas “campeãs” sem qualquer critério de eficiência, induziu-se uma alocação de recursos que provavelmente impactou de forma negativa a produtividade da economia brasileira.
Se é verdade que distorções microeconômicas e capitalismo de compadrio com intervenção pesada do Estado em favor de grupos específicos sempre estiveram presentes por aqui, não resta dúvida de que o ambiente de negócios no Brasil piorou de forma significativa nos últimos anos. A nomeação de Joaquim Levy foi uma rendição aos fatos e uma tentativa de se reverter a deterioração do ambiente macroeconômico e reestabelecer alguma racionalidade nas contas públicas. Entretanto, para que o país volte a crescer de forma significativa, são necessárias reformas estruturais que enfrentem decididamente as distorções microeconômicas. Até agora não há qualquer indicação de que isso vá acontecer.
Fonte: Valor Econômico, 18/02/2015.
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