Um convite para proferir palestras sobre alfabetização, desenvolvimento da fluência de leitura e compreensão de textos para professores, coordenadores pedagógicos e diretores das escolas públicas de Sobral (CE) no início desta semana me compele a refletir a respeito de um tema intrigante: por que nenhum município brasileiro consegue repetir o feito de Sobral?
A meu ver, o grande feito de Sobral não é o fato de obter as melhores notas de todo o país na Prova Brasil no 5º e 9º anos do ensino fundamental, mas de conseguir operar uma rede de escolas, todas elas com um elevado padrão de desempenho. E isso de forma contínua e, ao que tudo indica, sustentável.
Em virtude do seu sucesso, a cidade virou destino de romaria educacional: centenas de prefeitos, secretários e técnicos participam das visitas organizadas mensalmente. Mas a pergunta permanece: por que, apesar de tanto interesse e visitas, nenhum município repete o feito?
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Resumida no espaço que permite um blog, compartilho com os leitores a minha interpretação para esse intrigante fato. Conheço a história da reforma educativa de Sobral desde o seu início, ainda no século passado, e participei de vários momentos dela. Até hoje Sobral utiliza – de maneira exemplar e com resultados consistentes e elevados – o Programa Alfa e Beto de Alfabetização. E temos outras parcerias em curso. Com base nisso, apresento minha visão das razões do avanço de Sobral. E concluo especulando sobre as razões pelas quais outros municípios não conseguem o mesmo feito.
Três conjuntos de características da história da reforma educativa de Sobral me chamam a atenção. O primeiro conjunto refere-se ao “o que fazer”. Sobral consegue definir prioridades relevantes, manter foco no essencial e só tomar iniciativas que poderão ser aplicadas para toda a rede. O segundo conjunto se refere ao “como fazer”. Sobral consegue convencer e envolver as pessoas sobre as ideias a serem implementadas, fazer uma coisa de cada vez, manter rigor na implementação e gerenciar com gestores competentes e com base em resultados. Além disso, não “inunda” a escola com projetos avulsos. O terceiro conjunto se refere à estratégia. Sobral não reinventa a roda – busca o que considera como sendo das soluções as mais adequadas, apropria-se das mesmas sem negar a contribuição original e incorpora progressivamente as inovações de maneira consistente com o todo. Fácil de resumir, difícil de fazer.
Resta a pergunta: isso é tão difícil de imitar? Por que nenhuma outra rede municipal de ensino reproduz o feito? Vinte e tantos anos depois, hoje dispomos de muito mais conhecimento e de instrumentos já testados que permitiriam a um município obter resultados em prazos muito mais curtos do que ocorreu em Sobral. Onde estão os entraves?
A meu ver há dois motivos principais. O primeiro é não entender o que acontece em Sobral. As pessoas se maravilham com determinadas características aparentes e não perguntam nem se interessam pelo que está por trás – o essencial é invisível aos olhos. A segunda é o erro clássico de querer imitar o que existe hoje em Sobral e não entender e adaptar, de forma consistente, processos que podem levar ao sucesso, a partir da realidade de cada um.
Fonte: “Veja”, 30/01/2019