Confesso estar impressionado, e não é de hoje, com o que me parece uma espécie de esquecimento quanto ao que foi feito, progressivamente, em matéria das instituições nacionais, estaduais e também municipais. Dirigentes partidários, administradores de mérito, parlamentares de variado prestígio, pela lei da morte ou não, foram se extinguindo sem renovação. Hoje é difícil saber quais e quantos são os ministros, e se faz necessário divulgar o respectivo curriculum vitae para saber-se de quem se trata. E o mesmo se pode dizer das representações parlamentares. Não se sabe donde vem, nem para onde vão.
É claro que para explicar um fenômeno haverá uma pluralidade de causas, mas, para mim, uma das maiores reside no período de governo absoluto servido por uma censura absoluta. Tudo poderia ser feito e tudo veio a ser feito, sem que notícia deles chegasse sequer a uma parcela mínima da comunidade. O segredo era total. Basta dizer que durante o tempo em que estive próximo aos acontecimentos, nunca chegou ao meu conhecimento algum dado concreto relativo a uma atrocidade, que me tivesse sido revelado, por exemplo. De outro lado, por incrível que possa parecer, ninguém estranhou que a “Constituição” ostentava a declaração dos direitos e garantias individuais, que eram excluídos pelo AI-5; em outros tempos, em casos semelhantes, não faltaram manifestações de entidades docentes ou culturais, que naquela época fora omissas.
A certa altura, a oposição passou a defender a anistia _ “ampla, geral e irrestrita”, e como falasse em “anistia recípocra” o governo, irritado, proclamou que os vencedores não precisavam de perdão. Certo dia, porém, a “bomba do Riocentro” estilhaçou os segredos e num dado momento o governo percebeu que a ele também interessava a anistia e, mediante transigências ela foi aprovada; posso dizer que sem elas, então, a anistia não seria decretada. Não foi a anistia que eu queria, mas foi a possível e que, Deus louvado, sem exagero, mudou a face do Brasil. A anistia decretada pela Lei 6.683 de 28/8/1979, agora apontada como merecedora de revisão, parece não ter sido desprezível. A meu juízo, foi necessária e benéfica, mudou a face do Brasil. A propósito, lembro que a senhora Dilma Rousseff foi por ela anistiada, e hoje é a presidente da República.
Pois se lembro dessas coisas é porque, agora, ao ensejo dos 50 anos do movimento que culminou no afastamento do presidente Goulart, começou a falar-se abundantemente em “revisão da lei de anistia”, quando, decorrido mais de um terço de século, uma unanimidade nacional se estabeleceu a seu respeito.
Ora, a anistia é de aplicação instantânea e imperativa, independente de quererem ou não seus destinatários; sua amplitude atinge até condenação criminal transitada em julgado; a que foi decretada em 28/8/1979, pela Lei 6.683, apagou a todos os que, entre setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979, cometeram “crimes políticos ou conexos com eles, eleitorais…”. De modo que, o que havia deixou de existir, como se nunca houvesse existido; destarte, uma revisão da lei de anistia se assemelharia a uma anistia retroativa a deparar com o vácuo. Enfim, a anistia de 1979 anistiou.
Lamento que não possa estender-me sobre a anistia, importante e interessante. Premido pelo espaço, noto apenas que ela não se funda na Justiça, mas na temperança, no esquecimento, e particularmente na paz, que a juízo da lei, se faça aconselhável.
Fonte: Zero Hora, 07/04/2014
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