Hoje o setor de petróleo no Brasil conta com dois novos sistemas (partilha e cessão onerosa), que convivem com o regime de concessões. A mera existência de regimes regulatórios distintos num país não é, necessariamente, uma fonte de incertezas, mas a falta de harmonia entre eles tem esse potencial.
A aprovação do projeto de lei que prevê a flexibilização da operação única do pré-sal pela Petrobras responde por uma parcela relevante da potencial retomada dos investimentos em petróleo no Brasil, mas não é a única resposta devida. Muito embora operar um campo no pré-sal seja atrativo para qualquer grande empresa internacional do setor, o estágio embrionário da regulação brasileira sobre individualização da produção ainda limitaria o retorno do capital internacional.
Individualizações de produção ocorrem quando dois ou mais blocos compartilham uma mesma jazida de petróleo. Para evitar investimentos ineficientes e competição predatória, todas as empresas donas dos blocos por onde a jazida se estende passam a ter uma participação. As participações são determinadas por quanto da jazida se localiza em cada bloco. Com os megacampos de pré-sal, as individualizações de produção serão relativamente frequentes, como os exemplos recentes preconizam. A complexidade evidente é aumentada quando os blocos vizinhos estão em regimes regulatórios diferentes, e ainda mais quando um desses blocos é uma área estratégica ou do pré-sal ainda não licitada.
Há três pontos fundamentais a serem endereçados, sendo o primeiro relativo à diferença de regimes regulatórios. Numa individualização de produção entre um regime de concessão e a cessão onerosa ou área não licitada, há diferença nas participações governamentais. O regime de concessão é sujeito a royalties e participação especial, a cessão onerosa somente a royalties na mesma alíquota do regime de concessão, as áreas não licitadas pagam apenas royalties numa alíquota diferente do regime concessão. O panorama não é diferente no caso do conteúdo local; como conciliar exigências diferentes para regimes distintos unidos por uma mesma jazida? Não há um caminho claro na regulação. As soluções não precisam ser complicadas, a ANP pode ajustar os créditos ou débitos devidos nas participações especiais nos recolhimentos futuros. O conteúdo local da jazida individualizada deveria seguir — em percentual e regras — as exigências do bloco que concentra a maior parte da jazida individualizada.
O segundo e o terceiro pontos dizem respeito a Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), que representa a União nos procedimentos de individualização da produção em área estratégica ou do pré-sal ainda não licitada. A PPSA é um participante mandatório nesses casos, mas não faz pagamentos diretos, sendo carregada pelos demais participantes. O retorno virá da própria produção da jazida individualizada, sendo a dívida da PPSA abatida do volume de produção a que essa tem direito. A PPSA deveria ter autonomia para gerir suas receitas e honrar seus compromissos como as demais partes.
O último ponto é mais sutil, mas certamente mais polêmico. O que acontece caso ocorra um acidente ambiental de larga proporção num campo individualizado com a PPSA e não seja mais possível produzir? A PPSA deveria responder como as demais partes, utilizando seus recursos para responder na proporção de sua participação. Mas a alocação proporcional de responsabilidades não está explicitada na regulação hoje. Esse é um ponto caro ao investidor, como ensinou a experiência de Macondo, no Golfo do México.
Os fatores necessários à retomada do investimento em petróleo e gás natural no Brasil não se limitam apenas à Petrobras como operador único dos contratos de partilha no pré-sal. A convivências de regimes regulatórios distintos precisa ser harmonizada para que um novo componente de risco não seja criado. O país e o setor seriam gratos pelas respostas necessárias.
Fonte: O Globo, 27/06/2016.
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