Excelência, em Brasília, é principalmente uma palavra usada por deputados e senadores antes de xingar outro congressista. Pode-se empregá-la com muita elegância em frases do tipo “vossa excelência é uma cavalgadura”. Poucos devem lembrar-se, mas esse termo serviu, em outros tempos, para indicar qualidades positivas encontradas – podem acreditar – até no setor público. Vale a pena lembrar esse velho emprego da palavra, quando se discute a profissionalização das chefias de estatais. Muito antes de ser envolvido no mensalão, o Banco do Brasil foi apontado, mais de uma vez, como centro de excelência. De seus quadros saíram funcionários para o recém-criado Banco Central, nos anos 60, e para muitos postos importantes do governo. Quem desconhece esses fatos pode ter dificuldade para acreditar nessa história. Afinal, tudo parece negá-la. Saqueada durante mais de dez anos, a Petrobras tornou-se uma empresa superendividada, incapaz de manter seu programa de investimentos e forçada a vender uma porção de ativos para fazer caixa.
A Eletrobras, segunda maior estatal brasileira, continua devendo ao mercado de capitais de Nova York a publicação do balanço de 2014. Os Correios, acumulando prejuízos desde 2013, poderão precisar de financiamento no segundo semestre para pagar salários e outras despesas operacionais. O prejuízo de 2015, como informou o Estadão na quinta-feira, pode ter chegado a R$ 2,12 bilhões. Faltava, ainda, a publicação do balanço do ano passado, embora já se tenha chegado à metade de 2016.
Bancos federais foram convertidos, contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, em financiadores do Tesouro, por meio das famosas pedaladas. Foram levados, além disso, a servir a interesses partidários e eleitorais. Em alguns casos, assumiram riscos excessivos e tiveram de aumentar consideravelmente suas provisões para devedores duvidosos, ou muito duvidosos, como a Sete Brasil, criada para fornecer sondas à Petrobras e forçada a pedir recuperação judicial. Foram levados a apoiar grupos escolhidos pelo poder para tornar-se campeões nacionais.
Políticas desse tipo, sem nenhum sentido estratégico, renegaram os melhores padrões de políticas de desenvolvimento inauguradas ainda na época da 2.ª Guerra Mundial. Na avaliação mais benigna, resultaram em enorme desperdício de recursos, desviados de aplicações muito mais úteis à modernização da economia brasileira e à elevação geral da competitividade. Para alimentar esse mau uso de dinheiro público, o Tesouro ainda bombeou para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) cerca de R$ 500 bilhões. Para isso, emitiu títulos e endividou-se, tornando cada vez mais complicada a situação das contas públicas.
Até os fundos de pensão das estatais foram envolvidos no jogo das decisões de interesse político-partidário. Para atender a objetivos muito estranhos à sua função, comprometeram bilhões em maus investimentos, como títulos de valor duvidoso emitidos por países vizinhos e ações de empresas perigosas, como – novamente – a Sete Brasil.
O mais vistoso dos desastres, o da Petrobras, foi amplamente mostrado tanto pelas investigações da Operação Lava Jato quanto por análises de especialistas e até de funcionários da empresa. O enorme esquema de corrupção apontado pela Polícia Federal e pela Promotoria mostra apenas uma parte da história. Ao lado desse esquema, e com ele entrelaçado, houve uma lista de investimentos mal programados, mal executados e subordinados a objetivos partidários e a critérios ideológicos.
O exemplo mais notório é o da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco. Esse empreendimento nasceu de um plano de cooperação (jamais concretizado) entre a Petrobras e a PDVSA, ainda no tempo do presidente Hugo Chávez. Nunca entrou dinheiro venezuelano e, além disso, o projeto foi mal feito, os custos foram escandalosamente subestimados e a obra continua incompleta.
O desastre foi produzido, em todos esses casos, pela subordinação dos objetivos de empresas, bancos e fundos de pensão aos planos de poder do grupo governante, a seus objetivos eleitorais e à voracidade de seus aliados. Aparelhamento e loteamento foram muito mais que processos de corrupção. Foram formas de apropriação do sistema estatal, em todas as suas dimensões, para usufruto dos governantes e remuneração de seus asseclas.
A administração pública brasileira é conhecida muito mais por seus defeitos do que por suas virtudes. Isso é compreensível e justificável. Ao iniciar seu governo, o presidente Juscelino Kubitschek criou uma administração paralela, formada pelos famosos grupos executivos, para implantar o Plano de Metas. A alternativa, como lembrou o professor Celso Lafer num belo trabalho, seria gastar muito tempo, talvez todo o mandato, num esforço de reforma administrativa.
Apesar de tudo, sempre houve núcleos de competência na administração. Centro de excelência, assim como o Banco do Brasil, foi também a velha CFP, a Comissão de Financiamento da Produção. Essa empresa foi fundida em 1990 com a Cobal e a Cibrazem para a formação da Conab, a Companhia Nacional de Abastecimento, vinculada ao Ministério da Agricultura. Integrou o mesmo clube o velho Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (seu nome original), onde conviveram, durante décadas, profissionais conhecidos pela diversidade ideológica e pela capacidade. A Embrapa é outro exemplo, especialmente notável por ter sobrevivido à ingerência petista.
O governo do PT, desde o mandato inicial do presidente Lula, condenou as ideias de competência e de produtividade na administração como preconceitos neoliberais. A boa política seria empregar companheiros e aliados e tudo sujeitar a um projeto de poder. Crise fiscal, estatais em crise e Operação Lava Jato são alguns dos desdobramentos.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 12/06/2016.
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