O Brasil registrou em 2014 o maior deficit externo desde 1947, quando começamos a compilar essas estatísticas, US$ 90,9 bilhões, o equivalente a 4,2% do PIB.
Embora o número em si não tenha sido surpreendente (dado que já conhecíamos os números até novembro), impressionam a velocidade de deterioração das contas externas e, principalmente, as condições sob as quais essa se deu.
[su_quote]O aumento do deficit externo não esteve associado ao investimento mais elevado[/su_quote]
Até o terceiro trimestre do ano passado parecíamos nos encaminhar para um resultado ainda negativo, mas na casa de US$ 80 bilhões/US$ 85 bilhões (3,5% do PIB), não muito distinto do observado em 2013; o péssimo desempenho da balança comercial no fim do ano, contudo, levou-nos ao novo recorde, mais uma marca do fracasso extraordinário da “nova matriz macroeconômica”.
Não necessariamente pelo déficit externo em si. Há economias que, em momentos de crescimento elevado, marcado pela aceleração do investimento, precisam recorrer ao resto do mundo de modo a obter os recursos necessários para uma expansão mais veloz.
Concretamente, para aumentar o investimento sem sacrificar demasiadamente o consumo, pode ser ótimo incorrer em deficit modestos, a serem pagos pelos frutos do aumento da produtividade que decorrem desse investimento.
Deve, porém, ficar claro que não se trata do que ocorreu no Brasil. O aumento do deficit externo não esteve associado ao investimento mais elevado. Pelo contrário, o investimento até setembro do ano passado havia caído nada menos do que 7,5% na comparação com 2013, recuando para 17,3% do PIB, o nível mais baixo desde 2007.
Já o consumo, seja das famílias, seja do governo, cresceu 1,4% no período até setembro, reduzindo a poupança bruta de 14,0% para apenas 12,8% do PIB, o menor nível dos últimos 15 anos.
Esse padrão não é exclusivo de 2014; o consumo total tem crescido à frente do PIB desde 2011, reflexo tanto da política de estímulo ao consumo privado quanto da expansão persistente do consumo público.
A verdade é que o país conseguiu a proeza de registrar o maior deficit da sua história em um ano em que o crescimento do PIB e da demanda interna deve ter ficado próximo a zero. Essa combinação sugere que a maciça intervenção do BC, expressa na venda de cerca de US$ 110 bilhões no mercado de câmbio a partir de meados de 2013, tem impedido que o dólar ache um nível coerente com o equilíbrio das contas externas.
Muito embora o BC continue a afirmar que sua política de intervenção visa a moderar a volatilidade da moeda, é segredo de Polichinelo que, na verdade, esta foi usada com o objetivo de reduzir as pressões sobre a inflação. Em vez de utilizar os instrumentos clássicos de controle inflacionário, a taxa de juros e o corte do gasto público, o governo preferiu um caminho fácil e o BC seguiu a mesma toada.
Não há, portanto, como eximir o BC da responsabilidade pela piora das contas externas. Tivesse ele desempenhado o papel que lhe cabe e mantido a inflação próxima à meta, teríamos plenas condições de permitir que a moeda flutuasse em resposta a alterações no cenário externo com impactos modestos sobre preços domésticos.
Contudo, ao permitir que a inflação ficasse distante da meta e persistentemente ao redor de 6%, o BC caiu em sua própria armadilha. Não pôde permitir que o dólar se encarecesse como seria necessário em face da queda dos preços das commodities e, por consequência, das exportações brasileiras, na prática fechando uma válvula de escape crucial da economia.
Seria de esperar que a experiência tivesse mostrado os perigos da administração da taxa de câmbio. Não parece ser o caso: embora o BC tenha há pouco sinalizado menores intervenções no mercado, não parece disposto a abandonar esse instrumento, pelo contrário.
Essa posição apenas torna mais difícil a recuperação da economia num ano em que a demanda doméstica deve perder ainda mais o fôlego. Já passou da hora de sair da frente do dólar.
Fonte: Folha de S.Paulo, 28/01/2015
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