O que atiça mais a imaginação: o sumiço do voo 370 da Malaysia Airlines ou o embate entre a Rússia e o Ocidente? Confesso que não sei. Mas, entre um e outro, por certo o segundo pode ter implicações econômicas significativas para o Brasil, enquanto o primeiro… bem, o primeiro é uma boa metáfora para um governo que trafega sem rota definida na escuridão. E com pouco combustível.
Combustível. Consideremos o petróleo. A Rússia é um dos maiores exportadores de petróleo e de gás natural do mundo. Em 2007 e 2008, quando o preço do barril de petróleo alcançava valores estratosféricos, a Rússia registrou um superávit nas contas externas de cerca de 6,5% do PIB, enquanto a economia crescia mais de 6% ao ano. De lá para cá, o preço do petróleo caiu uns 20%. Embora continue elevado, o preço do barril se estabilizou em torno de US$ 110. O saldo das contas externas da Rússia caiu para pouco mais de 2,5% do PIB, enquanto a atividade econômica se expandiu só 1,5% em 2013.
A Rússia anexou a Crimeia numa velocidade estonteante. Bastou que o Ocidente acenasse para a Ucrânia com a perspectiva de inclusão na União Europeia para que protestos violentos eclodissem no país partido. O país cortado, não exatamente ao meio, pelos que defendem a aproximação com a Europa e os que querem continuar orbitando a Rússia. A primeira região a declarar fidelidade a Vladimir Putin foi a península da Crimeia, com o seu referendo de independência ou morte. A rapidez com que esses eventos se apoderaram da geopolítica internacional deixou tontos os líderes ocidentais, que tiveram tempo, apenas, de impor sanções simbólicas aos indivíduos russos de alguma influência que apoiaram a separação da Crimeia.
E agora? Apesar das declarações do Kremlin, é difícil de imaginar que Putin se dê por satisfeito com a Crimeia. É claro que a Rússia acaba de conquistar uma saída estratégica para o Mar Negro, mas a verdade mais do que inconveniente é aquela exposta por Henry Kissinger em artigo magistral para o Washington Post de 5/3, reproduzido pelo Estadão: a Rússia jamais viu a Ucrânia como um país estrangeiro.
Quais as alternativas para os líderes ocidentais, sobretudo para o presidente Obama e suas ambições de controlar a disseminação de armas nucleares no Oriente Médio? A Ucrânia, afinal, foi o único país da ex-URSS a se desfazer voluntariamente de seu arsenal. Qualquer fracasso da política externa americana na crise deflagrada entre a Ucrânia e a Rússia é motivo de sobra para que ninguém mais queira “voluntariamente” se livrar daquilo que pode impedir um esfacelamento territorial.
Entra o petróleo, o sangue negro. Os EUA têm reservas estratégicas de petróleo de cerca de 694 milhões de barris de óleo cru. Como argumenta um artigo recente para o “Financial Times”, se os EUA se desfizessem de cerca da metade dessas reservas nos próximos dois anos, Obama imporia uma perda considerável à economia russa, que não aguentaria o tranco da consequente redução do preço do barril do petróleo. De quebra, auxiliaria a nossa combalida Petrobrás, que, hoje, tem de importar petróleo, ante a política cega de manter quase congelados os preços dos combustíveis. Além disso, uma redução dos preços internacionais do petróleo ajudaria bastante a Europa, a China, os países emergentes que dele dependem, beneficiando, enfim, toda a economia global. E, por óbvio, o Brasil. É claro que os sauditas podem não gostar. Mas não é impossível que aquiescessem, sobretudo tendo em conta as desavenças que a Arábia Saudita tem com a Rússia no manejo dos problemas sírios e iranianos.
O uso das reservas estratégicas de petróleo dos EUA seria, possivelmente, um bom desfecho para uma história que tem tudo para desaguar numa turbulência geopolítica arrebatadora. O cinismo me impede de prosseguir. Afinal, o livro de Upton Sinclair que inspirou Sangue Negro, o filme de 2007 estrelado por Daniel Day-Lewis, emana uma poderosa e sedutora energia destrutiva. Nada muito diferente dos rumos que o País escolheu para si, tampouco dos desmandos da geopolítica global.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 21/032014
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