Os brasileiros falam de muitos modos. Há alguns programas de rádio no Nordeste que são simplesmente incompreensíveis para os paulistas. Um linguajar gaúcho bem cantado soa difícil em Manaus. Mas, quando se trata de estudar Matemática ou Ciências, todos os alunos brasileiros precisam saber o português, digamos, oficial, a chamada norma culta. Ou, ainda, quando uma companhia de Tecnologia da Informação (TI) lança um novo produto, uma máquina têxtil, por exemplo, o manual estará escrito no português normatizado, o dos dicionários.
Logo, as escolas brasileiras devem ensinar esse português, certo? Não é bem assim – é o que estão dizendo professores e linguistas alinhados na tese de que não há o certo e o errado no uso da língua. Há apenas o adequado e o inadequado. Assim, “nós pega o peixe” não está errado. E se alguém disser que é, sim, errado, estará cometendo “preconceito linguístico”.
Essa tese se encontra no livro “Por uma vida melhor”, da Coleção “Viver, aprender” (Editora Global), que foi adotado, comprado e distribuído pelo Ministério da Educação a milhares de alunos. Daí a polêmica: trata-se de um livro didático, não apenas de uma obra de linguística.
Mas a polêmica está tomando caminhos equivocados. O pessoal favorável a essa tese argumenta com a variedade da língua falada e com a evolução permanente da língua viva, acrescentando algumas zombarias com o que consideram linguajar culto, das elites, mas que não passa de um falar empolado.
Um velho amigo se divertia fazendo frases assim: “ele saiu em desabalada carreira pela via pública”, em vez de “ele foi correr” ou “fazer jogging”.
Brincadeiras. No entanto, um aluno de 15 anos deveria rir dessa brincadeira.
O que o senhor acha, caro leitor? O aluno médio de uma escola pública brasileira perceberá o jogo com aquelas palavras? Entenderá sem esforços que se trata de um modo rococó de dizer algo simples?
Eis o equívoco em que nos estamos metendo. Em vez de tomar como prioridade absoluta o ensino da língua “oficial”, aquela na qual vêm escritos os jornais, os manuais de TI, os livros de Matemática e os de Ciências, abre-se um debate para dizer que as crianças brasileiras podem falar e escrever “os menino pega os peixe”.
É claro que podem. Mas precisam saber que esse não é o correto. E, se não souberem o correto, não poderão ler aquilo que os vai preparar para a vida profissional e para a cidadania.
Vamos falar francamente: uma pessoa que se expressa mal, que conhece poucas palavras e poucas construções, é uma pessoa que pensa mal, que compreende pouco.
Os alunos de Xangai foram muito bem no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês) – o teste internacional para jovens do ensino médio, aplicado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A prova avalia o conhecimento da língua, Matemática e Ciências. Na imensa China, entre 1,35 bilhão de habitantes, falam-se muitas línguas e muitos dialetos. Mas há uma língua oficial, escrita e falada, na qual os chineses estão alcançando posições de ponta na ciência e na tecnologia. Ensinam a língua intensamente.
Os alunos brasileiros vão mal no Pisa. Apresentam baixíssimo índice de compreensão de textos. Não sabem Português, e esse é um problema social e econômico. A baixa educação simplesmente condena à pobreza.
Dizer aos meninos, em livros didáticos, que “nós pega o peixe” está certo não é apenas um equívoco, é um crime. E discutir essas teses é perda de tempo, energia e dinheiro.
É como se tivessem desistido. Como não se consegue ensinar o Português, então vale o modo errado. E quem pensa diferente é preconceituoso. E então não precisa ensinar mais nada, não é mesmo?
Nossos professores, educadores e linguistas deveriam concentrar seus esforços num tema: como ensinar a língua culta para todos os alunos das escolas públicas e rapidamente. Conseguido isso, depois que nossas notas no Pisa alcançarem os primeiros lugares, então, tudo bem, vamos discutir as variações e os modos populares.
Nada de mais. O ex-vice-presidente da República e ex-senador Marco Maciel tem certamente uma ampla experiência política para transmitir. Mas não em assuntos de turismo e trânsito na cidade de São Paulo.
Mesmo assim, o prefeito Gilberto Kassab o nomeou conselheiro da São Paulo Turismo e da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), cargos que exigem uma reunião mensal e pagam R$ 6 mil ao mês, cada.
Maciel aceitou. E desistiu das vagas na quinta-feira, 15 dias depois de ter sido nomeado. Disse que vai continuar lutando pelos “princípios sociais-liberais”.
O prefeito não falou nada. Nomeou, desistiu, pronto, não tem nada de mais.
E, entretanto, os dois políticos revelaram um total descaso pelo cidadão (e contribuinte) paulistano.
O trânsito em São Paulo é um desastre. A cidade se pretende de “turismo de negócios”, mas não tem hotéis nem centros de convenção suficientes nem estádio para a Copa do Mundo. Não há nenhum programa estrutural do prefeito para esses dois gargalos da metrópole.
Ou seja, nem Kassab poderia ter nomeado nem Maciel ter concordado. Só desistiram porque pegou mal na imprensa. Nenhum pedido de desculpas. Danem-se os moradores presos no trânsito.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 16/05/2011
A Heloísa nunca afirmou que se deva ensinar “nós pega o peixe na escola”. Ela reconheceu que os alunos chegam falando assim às escolas. Ali, aprenderão a língua-padrão. Como já foi apontado por muitos, não interpretar bem um texto pode ser problema de falta de competência para isso, mas descontextualizar as palavras de um texto é torcer seu sentido de propósito, e, portanto, é má fé.É ótimo que os livros didáticos sejam analisados por especialistas, que possam verificar se seu conteúdo é bom.
Ana Gomes, Muito Obrigado pela explanação.