“Orientando sua atividade de tal maneira que sua produção seja de maior valor, [o empreendedor] visa apenas seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por uma mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções… Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê-lo”. (Adam Smith)
Da nova geração de intelectuais liberais, João Cesar de Mello é um dos meus preferidos. Grande estudioso que é, seus artigos são geralmente profundos, bem escritos e objetivos. É sempre um prazer abrir a página do IL e encontrar um texto desse meu xará.
[su_quote]Ainda que agindo exclusivamente visando aos próprios interesses – à própria sobrevivência e reprodução, se preferirem -, os indivíduos só são recompensados no mercado quando satisfazem as demandas dos outros.[/su_quote]
Seu último artigo não é diferente. João traça um excelente paralelo entre a teoria da “seleção natural”, de Cherles Darwin, e a da “destruição criadora”, proposta por Schumpeter. Sem dúvida, é inescapável a analogia entre essas duas teorias. Mas acho que João peca num ponto, quando pretende fundir a teoria da “seleção das espécies” e a “Mão invisível” descrita por Adam Smith. Diz João:
“A pior consequência da deturpação promovida contra Darwin foi a exclusão de seu trabalho na argumentação do conceito de livre mercado. Sim, a Teoria da Seleção Natural das Espécies comprova biologicamente a metáfora da Mão Invisível! Quem lê com serenidade o trabalho de Darwin enxerga que as relações de mercado são perfeitos reflexos de todas as relações da natureza.
Ter Darwin junto a Smith na mente nos faz enxergar claramente que o mercado é um ecossistema como qualquer floresta, savana ou colônia de corais. A natureza se autorregula. O mercado também. Empresas são comparáveis a animais tentando sobreviver e se reproduzir, competindo entre si e interagindo umas com as outras assim como fazem todas as espécies de seres vivos. Crises econômicas são apenas momentos de ajustes tais como incêndios, enchentes, deslizamentos, tempestades e erupções vulcânicas. A natureza precisa desses eventos para eliminar indivíduos fracos e doentes assim como o mercado precisa de suas crises para eliminar empresas mal viciadas e administradas.”
Embora a luta pela sobrevivência no mundo natural e a competição das empresas no mercado levem à “vitória” dos mais eficientes e adaptáveis; embora nos dois casos tenhamos alguma cooperação entre e intra espécies, as armas, as circunstâncias e as estratégias utilizadas nos dois são distintas.
A primeira diferença é que, enquanto as espécies animais competem por meios de sobrevivência fornecidos exclusivamente pela natureza, cuja quantidade eles não podem aumentar, o homem, em virtude de sua razão, bem como da divisão e especialização do trabalho, tem a capacidade de incrementar a provisão de tudo quanto as suas necessidades e bem estar dependam.
Como descreveu Mises, diferentemente dos leões das savanas africanas, que brigam entre si e com outras espécies por uma quantidade limitada de presas, utilizando-se para tanto dos seus sentidos, suas garras e suas poderosas mandíbulas, os empresários, numa economia livre, competem para satisfazer os consumidores, oferecendo a esses os melhores e mais baratos produtos que as suas mentes e o seu trabalho podem conceber. Trata-se, assim, de uma competição não pelo extermínio direto dos concorrentes, mas pela geração positiva de riqueza (nova e adicional). Nesse tipo de competição, malgrado esporadicamente existam perdedores, essa nem sempre é a regra. No longo prazo, como demonstra a História dos últimos dois séculos, toda a humanidade se beneficia da intensa competição no mercado.
A segunda diferença é aquela que tão bem traduz a grande beleza do livre mercado, resumida por Smith de forma brilhante na metáfora da mão invisível.Ainda que agindo exclusivamente visando aos próprios interesses – à própria sobrevivência e reprodução, se preferirem -, os indivíduos só são recompensados no mercado quando satisfazem as demandas dos outros. Minha remuneração, minha sobrevivência, portanto, está diretamente ligada à satisfação do meu semelhante e não ao seu extermínio ou ao de outras espécies (vivemos hoje muito melhor num mundo com 7 bilhões de pessoas do que nossos antepassados, há 250 anos, num mundo de apenas um bilhão). Em outras palavras, o capitalismo nos obriga a pensar nas demandas do próximo, e não somente nas nossas próprias, se quisermos ser bem sucedidos.
Não é isso o que acontece no ambiente natural. Ali não existe algo semelhante a lucrar satisfazendo os desejos e necessidades dos demais (embora nos reinos animal e vegetal existam “relações mutualistas“, elas não são a regra, mas a exceção). Num ambiente que fornece recursos sempre escassos e sem qualquer possibilidade de multiplicação, onde o bolo é dado e praticamente constante, a sobrevivência de uns está majoritariamente ligada ao perecimento de outros. Salvo melhor juízo, não foi isso que Smith quis dizer ao criar a metáfora da “Mão Invisível”.
Fonte: Instituto Liberal 28/01/2015.
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