Sobre a recomendação do Comitê dos Direitos Humanos do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos da ONU, que o PT está vendendo como uma decisão permitindo a candidatura do ex-presidente Lula à presidência da República, é bom lembrar outro instrumento internacional posterior e mais abrangente, o Pacto de San José da Costa Rica, introduzido no Brasil em 1992 por Itamar Franco, considerada a legislação mais importante das Américas nesse tema de direitos políticos.
No artigo 23, que determina, entre outros, que todos os cidadãos devem gozar de direitos e oportunidades de participar da condução dos assuntos públicos, diretamente ou por meio de representantes livremente eleitos; ou de ter acesso, em condições gerais de igualdade a funções públicas de seu país, no seu inciso segundo define claramente que “A lei pode regular o exercício dos direitos e oportunidades, a que se refere o inciso anterior, exclusivamente por motivo de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal”.
O PT, que agora apela ao Comitê da ONU, quando do julgamento do mensalão pretendeu utilizar o Pacto de San José da Costa Rica, alegando que ele garante a todo réu o duplo grau de jurisdição, e os acusados do mensalão só teriam o Supremo Tribunal Federal (STF), a última instância. O ministro Ricardo Lewandowski chegou a alegar em seu voto que o julgamento direto no STF contrariava o Pacto.
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Nada foi feito naquela ocasião, por impossibilidade jurídica, e agora o Pacto de San José da Costa Rica coloca o PT em uma posição difícil, pois Lula foi condenado em segunda instância pelo TRF-4 de Porto Alegre, garantido o segundo grau de jurisdição.
Os petistas estão alardeando também um texto escrito por Luis Roberto Barroso, atual ministro do Supremo Tribunal Federal e relator do caso de Lula no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em que ele supostamente daria ares de verdade à tese de que a recomendação do Comitê do Conselho de Direitos Humanos da ONU é mandatória.
O trecho é o seguinte, referindo-se à Declaração Universal dos Direitos Humanos “Seu conteúdo foi densificado em outros atos internacionais, indiscutivelmente vinculantes do ponto de vista jurídico como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”.
Como explica o constitucionalista Gustavo Binembojm, essa vinculação jurídica tem a ver com a legislação do país que aderiu aos Pactos. “Esses documentos entraram no Brasil, têm força de lei ordinária. Mas têm que ser compatíveis com a legislação local”.
Também o jurista Celso Lafer, ex-ministro das Relações Exteriores do Brasil explica que peritos do Comitê não têm competência jurisdicional. Suas manifestações não são sentenças, provisórias ou definitivas, mas uma avaliação sobre matéria que é submetida à sua apreciação. Segundo ele, o artigo 25 (b) do Pacto assegura, sem restrições infundadas, o direito de votar e ser eleito em eleições periódicas, autênticas, realizadas por sufrágio universal e igualitário e por voto secreto, que garanta a manifestação da vontade dos eleitores. “O Comitê entendeu que não havia violação do art. 25 (b), mas a possibilidade de sua violação. Daí a solicitação de que seus direitos fossem preservados até o esgotamento de todos os recursos legais a que tem direito”.
“A lei da “Ficha-limpa”, ressalta Lafer, tipifica com alcance geral e não específico, objetivos razoáveis e de interesse público que nos seus termos circunscrevem a atuação política e as condições de não elegibilidade do ex-presidente Lula”. Neste contexto, diz ele, “cabe, com exclusividade, ao judiciário brasileiro apreciar se os dispositivos legais que limitam a atuação política e a elegibilidade do ex-presidente Lula de alguma maneira estão em contradição com os dispositivos do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos”.
Fonte: “O Globo”, 22/08/2018