O setor elétrico deverá passar por momentos difíceis e de mudanças em 2021. O ano promete ser de pressão sobre as tarifas, pelo fato de os níveis dos reservatórios estarem baixos, exigindo uma grande quantidade de térmicas ligadas para garantir o fornecimento.
Isso já vem acontecendo desde 2013, com as térmicas sendo despachadas fora da ordem do mérito de custo econômico. Pouco se tem feito para encarar esse problema e, entra ano e sai ano, ficamos sempre dependendo do regime de chuvas e das taxas de crescimento da economia para enfrentar o problema da segurança de abastecimento.
Esse ano, perdemos a oportunidade de promover uma maior integração entre a energia elétrica e o gás natural, ao sancionar a Lei do Gás sem contemplar esse assunto de forma adequada. Agora, temos mais três oportunidades, na Lei nº 14.120/2021, que teve origem na Medida Provisória 998; na MP 1.031/2021, da privatização da Eletrobras; e no Projeto de Lei 414/2021, que trata da modernização do setor elétrico.
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Com a sanção da Lei nº 14.120/2021, o mercado passou a ter a possibilidade de realização de leilões de capacidade. Esse tipo de leilão baseia-se na necessidade de potência, ao invés da demanda das concessionárias de distribuição. Ou seja, o leilão de capacidade permitirá a contratação de usinas com a finalidade de suprir potência e garantir a segurança do abastecimento de energia elétrica.
Iniciativas internacionais semelhantes foram realizadas na Colômbia e no México. Na Colômbia, o Encargo de Capacidade (1996) remunerava investimentos para aumentar a capacidade de geração para atender demanda de pico ou situações pré-racionamento. O sistema permaneceu vigente até 2006, quando se tornou Encargo de Confiabilidade, com duração projetada à época de dez anos (até 2016). No México, a Reforma Energética (2013) introduziu, a partir de 2015, três produtos em leilões de energia nova (Energia, Potência ou Disponibilidade e Certificado de Energia Limpa), gerando-se três linhas independentes de geração de receita dependendo da natureza da fonte.
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A atual configuração do setor elétrico brasileiro exige mudanças. A capacidade instalada de geração de energia elétrica brasileira cresceu em média 4,5% ao ano, na última década, com a expansão hidroelétrica (45,3%) concentrada na Amazônia Legal, onde não há mais possibilidade de construção de grandes reservatórios de acumulação. Além disso, 88,8% da expansão se deu por fontes renováveis (convencionais e não convencionais) e 43,5% por renováveis não convencionais (eólicas, solares e biomassa).
A concentração da expansão da capacidade de geração em fontes renováveis intermitentes e sazonais reduziu a reserva girante do sistema. Por consequência, o sistema se tornou extremamente dependente das condições climáticas para controle do regime hidrológico (ENA), da velocidade do vento e da irradiação solar, necessários a produção de energia.
A nova configuração trouxe alguns desafios, que já estão se tornando rotineiros, como o aumento da volatilidade dos preços de curto prazo; a geração termoelétrica ineficiente aumentando os custos do despacho sazonal por ordem de mérito; e a forte queda anual dos reservatórios sem a preservação de um nível mínimo de armazenamento nos reservatórios ao final do período seco.
Pelo exposto, se faz necessária a revisão de planejamento e operação do Sistema Elétrico Brasileiro, passando pelo balanceamento entre a expansão por fontes renováveis e por térmicas a gás natural. O modelo computacional existente subestima o despacho fora da ordem de mérito real e a velocidade de recomposição de reservatórios. O desacoplamento do modelo computacional e a operação real indica a necessidade e a importância dessa revisão.
A modernização do setor precisa passar pela revisão do conceito do Mecanismo de Realocação de Energia (MRE). A sistemática atual do MRE não atende a manutenção da segurança e confiabilidade do sistema face à maior penetração de fontes intermitentes, além de desincentivar a construção de reservatórios equivalentes através de térmicas inflexíveis a gás natural. Os reservatórios equivalentes, também, trariam menor volatilidade ao PLD e reduziria dependência da hidrologia para recomposição do nível dos reservatórios. Assim, a necessidade de despacho fora da ordem de mérito, também, diminuiria.
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Atualmente, a construção de usinas termoelétricas (UTEs) inflexíveis como reservatório equivalente produz um passivo setorial via corte de GSF (Generation Scaling Factor)[1], quando o correto seria o contrário. Para que o sistema se torne menos dependente da hidrologia e preserve os volumes mínimos de armazenagem dos reservatórios das usinas hidroelétricas, deveria haver incentivo a UTE’s inflexíveis no planejamento, e não as inserir no ônus tarifário. Daí a necessidade de mudar o MRE.
As oportunidades para o setor elétrico estão na mesa e nas mãos do Congresso. Não deveriam e nem poderiam ser desperdiçadas, defendendo teses que só beneficiam uma pequena parcela da sociedade –em particular, as que menos precisam.
Fonte: “Poder 360”, 13/04/2021
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