Nos governos do PT criaram-se duas síndromes em relação ao lucro. A primeira foi o fato de o governo estar sempre mais preocupado com o quanto as empresas iriam ganhar do que com o cumprimento do investimento, a qualidade do serviço a ser prestado e mesmo o preço. Isso ficava claro quando, por exemplo, o governo estabelecia taxas de retorno abaixo do mercado em leilões de infraestrutura. Eram as chamadas taxas de retorno patrióticas. A tentativa de regular a taxa de retorno de quem assume o risco de empreender atrasou em muito o investimento em infraestrutura no País e resultou em inúmeros prejuízos à população.
A segunda síndrome era de propiciar lucros não pela eficiência e produtividade das empresas, e sim por uma quantidade significativa de subsídios pagos pelos consumidores. Um exemplo são as fontes renováveis de energia. A retirada dos subsídios, de forma igualitária, para todas as renováveis poderá representar uma nova fase de amadurecimento destes setores, com o desejado efeito de diminuir a tarifa para o consumidor.
Essas duas síndromes precisam ser eliminadas no novo ciclo de crescimento dos investimentos em infraestrutura. Só assim voltaremos a ter estabilidade regulatória, segurança jurídica e a alcançar o aumento de eficiência e produtividade.
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O governo Temer atacou a primeira síndrome realizando, por exemplo, leilões de transmissão no setor elétrico usando taxas de retorno de mercado. Esses leilões tiveram total sucesso e os deságios obtidos foram significativos. Porém um ponto tem chamado a atenção nos leilões e nas vendas de empresas no setor elétrico brasileiro: na grande maioria das vezes, os elevados deságios e as aquisições de empresas foram efetuados por estatais estrangeiras, que acabam por trazer de volta as taxas de retorno patrióticas e, por isso, podem fazer lances mais agressivos. Com isso o controle e os novos investimentos, em grande parte, continuam nas mãos de estatais, só trocando o idioma.
Tal avanço já é bem evidente na distribuição de energia elétrica, que tem mais de 52% do mercado nas mãos de companhias estrangeiras. Das empresas estrangeiras atuantes na distribuição brasileira, 50% estão sob controle de estatais chinesas. O porcentual estrangeiro na distribuição foi consolidado com a recente aquisição da Eletropaulo pela Enel, empresa italiana cujo maior acionista é o Ministério de Economia e Finança italiano. Com a aquisição, a Enel, que também atua nos segmentos de geração e transmissão, dá um salto no setor de distribuição, tornando-se a maior empresa do segmento. Sem considerar a aquisição da Enel, desde 2016 ocorreram quatro outras operações de fusões e aquisições na distribuição, sendo três delas com capital de origem estrangeira estatal e uma com capital estrangeiro privado.
Os segmentos de geração e transmissão, apesar de ainda serem dominados por empresas estatais/estaduais, também contam com a participação do capital internacional estatal. Na geração de energia elétrica, 44% da capacidade instalada do País pertence às companhias estatais/estaduais, e a Eletrobrás é responsável por 31% do total. O capital internacional representa 21% da capacidade instalada brasileira, e a maior parcela, ou 39%, é de posse das estatais chinesas. Cerca de 62% da extensão das linhas de transmissão do País é de domínio de empresas estatais/estaduais, sendo 55% desse total pertencente à Eletrobrás. As companhias estrangeiras respondem por 23% das linhas de transmissão no País, dos quais 26% são pertencentes aos chineses.
O crescimento do investimento estrangeiro é benéfico para o País, o que as autoridades devem se pautar é na criação de um ambiente de negócios competitivo. Cabe ao Estado a tutela do interesse nacional. Em economias liberais como a da Austrália houve um veto à compra de ativos no setor elétrico e à de imóveis por empresas chinesas. Nos Estados Unidos existe um órgão de governo que analisa a entrada e o poder de concentração de empresas estrangeiras em determinados setores da economia. Quem ganha é o consumidor.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 20/10/2018