O ex-presidente do Goldman Sachs Asset Management, Jim O’Neill, avisa que um eventual terceiro ano seguido de crescimento fraco, em 2014, colocaria o “status Bric” do Brasil em dúvida. O’Neill foi o criador, em 2001, do termo Bric, em estudo que apontava Brasil, Rússia, Índia e China como economias potencialmente dominantes no mundo em 2050.
Segundo ele, o Brasil precisa permitir que o setor privado possa investir e competir – na sua avaliação, o país deve parar de imitar a velha China, ao usar a máquina do Estado para tentar impulsionar o crescimento econômico. “É preciso mudar”, diz. A seguir, os principais trechos da entrevista:
Estadão: Quais são as perspectivas para os países do grupo Bric em 2014? Como ficará o crescimento econômico e quais serão os principais desafios?
Jim O’Neill: A China e a Índia vão obviamente crescer mais, como sempre acontece em relação aos outros países do Bric. Eu acredito que a China vai crescer entre 7,5% e 8% e essa trajetória é bem clara – e impressionante. O caminho da Índia é bem menos claro. Pode haver uma nova desaceleração, mas meu palpite é que a Índia pode surpreender positivamente no próximo ano e crescer na faixa entre 6% e 7%. Como temos visto recentemente, as pessoas estão animadas com a possibilidade de mudança de governo e, se isso realmente acontecer, os investimentos podem acelerar. O potencial de longo prazo da Índia continua muito forte. Para Brasil e Rússia, 2014 será importante, já que ambos tiveram dois anos seguidos de crescimento decepcionante e, se isso acontecer pelo terceiro ano, cada vez mais as pessoas vão começar a questionar o status deles como Bric.
Estadão:A normalização da política monetária dos Estados Unidos é boa ou ruim para os países emergentes, já que sugere que a maior economia do mundo está se fortalecendo?
Jim O’Neill: Se o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) estiver normalizando suas políticas, então isso significa que algo deve estar melhor sobre a economia dos Estados Unidos, o que é uma boa notícia. Eu acho que os EUA vão crescer 3% ou mais no próximo ano, então eles certamente vão reduzir os estímulos monetários e talvez adotar alguma outra medida.
Isso significa que existem riscos para todos aqueles que sobrevivem somente graças às taxas de juros artificialmente baixas. A mudança vai forçar os investidores a distinguir entre as economias emergentes onde os fundamentos estão bons e aquelas com fundamentos menos positivos.
Estadão: A mudança no modelo de crescimento da China – para uma economia mais voltada para o mercado doméstico – terá grande impacto em outros emergentes, como o Brasil, que exporta bilhões de dólares para o país?
Jim O’Neill: A nova China é muito mais focada na qualidade do crescimento, e não na quantidade. Isso não é bom para a maioria das commodities, especialmente aquelas relacionadas à indústria. Países que se beneficiaram da “velha China” precisam se adaptar, pois as coisas não voltarão a ser como antes. Por outro lado, isso será bom para países que lutam para competir com a China devido aos salários baixos no país, que já estão subindo. Isso parece que será melhor para o México, por exemplo.
Estadão: Quais serão as “estrelas emergentes” no próximo ano? México, Indonésia e Turquia parecem estar em quase todas as listas de mercados promissores.
Jim O’Neill: Eu concordo. É o chamado grupo Mint (formado por México, Indonésia, Nigéria e Turquia). Eu viajei para esses quatro países nos últimos três meses e retornei especialmente animado com México e Nigéria.
Estadão: Todos os países do chamado grupo dos “cinco frágeis” (Brasil, Índia, Indonésia, Turquia e África do Sul) terão eleições gerais no próximo ano. Isso pode ser um fator de risco?
Jim O’Neill: Eleições são sempre muito importantes. Isso é especialmente verdade nos casos de Índia, Indonésia e Turquia. Esses países têm enorme potencial, mas precisam de governos que possam focar na governança e implementação de reformas. O mesmo, é claro, vale para o Brasil e a África do Sul, mas o potencial dos outros três é muito maior. Eu acho que a expressão “cinco frágeis” é divertida, mas não exatamente correta. As economias emergentes podem perfeitamente ter déficits em conta corrente, já que se espera que atraiam capital – se fizeram as coisas certas.
Estadão: O déficit em conta corrente continuará sendo um dos maiores problemas para algumas economias emergentes no próximo ano?
Jim O’Neill: Essa é uma afirmação complicada. Na verdade a grande questão é o tamanho do déficit. O déficit do Brasil não é um grande problema, nem o da Índia. Se a Índia introduzir mais reformas, sua moeda vai se valorizar, em função da grande entrada de capital, especialmente por meio de investimento estrangeiro direto (IED). Eu acho que os déficits em conta corrente de Turquia e Indonésia são grandes demais, mas graças a mudanças que já estão sendo implementadas, esses déficits já estão diminuindo.
Estadão: Analistas acreditam que o governo brasileiro não deve promover um aperto fiscal significativo no próximo ano, para não prejudicar a atividade econômica em um ano de eleição. Isso pode elevar os custos de financiamento e pressionar as métricas de dívida?
Jim O’Neill: O Brasil precisa focar muito mais em permitir que o setor privado possa investir e competir. O governo está tentando muito imitar a China, ao usar demais o Estado para gerar crescimento. Isso está ultrapassado, nem mesmo os chineses querem imitar a China mais. É preciso mudar.
Estadão: O senhor acredita que a Copa do Mundo de Futebol e os Jogos Olímpicos vão ajudar a economia brasileira nos próximos anos?
Jim O’Neill: Não. Existem pouquíssimas evidências de que tais eventos tenham realmente ajudado os países-sede. Mesmo assim, isso geralmente é bom para a autoconfiança. Eu acho que, no caso do Brasil, é realmente importante vencer a Copa do Mundo, mas com a força das seleções da Espanha e Alemanha, isso será muito difícil.
Estadão: O Banco Central brasileiro e as autoridades monetárias de outros emergentes estão certos em intervir no mercado de câmbio para tentar conter a volatilidade provocada pela redução dos estímulos do Federal Reserve?
Jim O’Neill: Talvez. No entanto, o fato é que o Brasil precisa ter como prioridade absoluta, na questão monetária, cumprir suas metas de inflação. Isso é muito mais importante do que a oscilação do real. Mais amplamente falando, eu não tenho muita simpatia por emergentes que reclamam das políticas do Fed. O trabalho do Fed é implementar políticas para os EUA. Se os outros países não gostam disso, eles precisam desenvolver melhor seus próprios sistemas monetários e mercados, para se tornarem menos dependentes.
Fonte: Estado de S. Paulo
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