Em uma sessão que revelou um plenário dividido, o Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar nesta quarta-feira se o presidente da República tem total liberdade ou não para definir as regras do indulto de Natal concedido a presos. O relator, ministro Luís Roberto Barroso, votou para diminuir a extensão do indulto editado pelo presidente Michel Temer no último Natal, excluindo os corruptos da lista de beneficiados. Alexandre de Moraes discordou. Para ele, a Constituição Federal dá ao chefe do Executivo poderes para definir as regras do indulto. A votação deve terminar na quinta-feira.
Oito ministros ainda não votaram. Ainda assim, nas discussões que permearam a sessão de hoje, já foi possível identificar o lado que vários deles tendem a tomar. Na maior parte do tempo, ministros contestaram os argumentos de Barroso. Fizeram isso Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. De forma mais tímida, Edson Fachin, relator da Lava-Jato, e Luiz Fux fizeram comentários alinhados com o voto de Barroso. Seja qual for o resultado da votação, o placar será apertado.
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Nos bastidores, ministros apostam na derrota da tese de Barroso, o que possibilitaria a libertação de presos em todo o país. Isso pode ser interpretado como uma espécie de salvo conduto para Temer editar um decreto com os mesmos parâmetros em dezembro.
O indulto do Natal passado é considerado o mais permissivo das últimas três décadas. Foi concedido perdão a presos condenados por crimes não violentos que tivessem cumprido apenas um quinto da pena total, sem considerar o tempo total de condenação. No governo de Dilma Rousseff, por exemplo, foi beneficiado quem tinha cumprido um terço da pena, para condenados por até 12 anos de prisão.
— No momento em que as instituições e a sociedade brasileira travam uma batalha ingente contra a corrupção e crimes correlatos, este decreto presidencial esvazia o esforço da sociedade e das instituições, onde delegados, procuradores, juízes corajosos enfrentam essas diferentes modalidades do crime organizado, inclusive a do colarinho branco — disse Barroso.
O ministro também afirmou que beneficiar corruptos com a libertação depois de cumprimento de apenas 20% da pena era um desrespeito ao senso ético. Ele ponderou que, apesar de opiniões contrárias, a corrupção é um crime violento.
— A corrupção é um crime violento, praticado por gente perigosa. É um equívoco supor que não seja assim. Corrupção mata, mata na fila do SUS, mata na falta de leitos, falta de medicamentos, mata nas estradas que não têm manutenção adequada, a corrupção destrói vidas que não são educadas adequadamente em razão da ausência de escolas, deficiências de estruturas e equipamentos. O fato de um corrupto não ver nos olhos a vítima que ele produz não o torna menos perigoso — declarou o relator.
Para Alexandre de Moraes, o presidente da República tem a prerrogativa de conceder indulto a presos. Portanto, não caberia ao Judiciário mudar o decreto. Se isso for feito, segundo o ministro, será uma forma de enfraquecer a Presidência da República como instituição.
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— Se nós fixarmos requisitos para esse decreto, estaremos fixando requisitos para todos os decretos subsequentes. Estaremos legislando — disse Moraes.
Gilmar Mendes concordou:
— Ninguém tem dúvida de que não cabe ao juiz formular projeto de lei.
Fachin ponderou que, se o STF não tem poderes para liminar um decreto presidencial, não teria também para anular a nomeação de ministro de Estado. Embora o ministro não tenha mencionado, o tribunal suspendeu a escolha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro da Casa Civil do governo Dilma. Moraes rebateu o argumento.
— Se comprovado ficar que há desvio de finalidade, seja em relação a indulto, graça ou perdão; seja em relação a nomeação, existe a possibilidade de análise do Judiciário. Não há comprovação de que ele (Temer) quis favorecer a, b ou c com o indulto — afirmou Moraes.
Se a liminar de Barroso for revogada, condenados que cumpriam os requisitos para receber o indulto em dezembro do ano passado poderão ser libertados. Segundo dados da Defensoria Pública da União (DPU), apenas um condenado na Lava-Jato receberia o benefício: o ex-deputado Luiz Argolo, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Se Temer editar neste ano um decreto com os mesmos parâmetros, outros investigados da Lava-Jato poderiam ser beneficiados.
O que o STF está julgando?
No Natal de 2017, o presidente Michel Temer editou indulto com regras mais frouxas que as do ano anterior. Presos que cometeram crime sem violência e já tivessem cumprido um quinto da pena total poderiam ser libertados, independentemente do tempo total da sentença à qual foram condenados. O ministro Luís Roberto Barroso deu liminar restringindo a regra. Condenados por corrupção, por exemplo, não poderiam receber o benefício. Agora, o plenário do STF vai decidir se mantém ou se derruba a liminar.
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O que acontece se a liminar do Barroso for derrubada?
Nesse caso, condenados que cumpriam os requisitos do indulto em dezembro do ano passado poderiam ser libertados. O texto dizia que o preso deveria ter cumprido um quinto da pena, sem especificar o tipo de crime cometido — ou seja, criminosos do colarinho branco poderiam receber esse benefício legal.
A decisão influencia no indulto de Natal que será editado ainda neste ano?
O STF vai julgar apenas o decreto do ano passado. O texto do decreto do indulto de 2018 já está pronto e é mais rigoroso do que a versão anterior, com vedação à soltura de condenados por uma lista de mais de 30 crimes. Ministros do STF acreditam que, se o plenário derrubar a liminar de Barroso, Temer pode voltar a adotar regras mais brandas de indulto neste ano.
Fonte: “O Globo”