Mais uma vez os ministros do Supremo bateram cabeça ao vivo e em cores, dando uma demonstração evidente de que não têm uma organização que lhes permita ordenar minimamente uma sessão na qual o fundamental é ter critérios claros para basear as condenações dos réus.
Houve momentos em que a situação chegou a ser caricata, como quando o relator Joaquim Barbosa perguntou se ele e o revisor Ricardo Lewandowski não estariam tratando de questões distintas (e não estavam) ou quando o relator travou o seguinte diálogo com o revisor:
Joaquim Barbosa: Eu gostaria de perguntar, a análise de Vossa Excelência diz respeito a qual réu?
Ricardo Lewandowski : Valério, em outro peculato. Eu inocentei Valério em relação aos peculatos que dizem respeito à Câmara.
Joaquim Barbosa: Vossa Excelência não tem voto neste caso.
Não tinha mesmo, mas para não ficar vencido na discussão de outros peculatos, com uma decisão da qual não participou por ter absolvido Marcos Valério naquele caso específico, Lewandowski antecipou seu voto, provocando mais confusão no plenário, a ponto de o presidente Ayres Britto ter suspendido a sessão para tentar organizar a discussão, que àquela altura estava caótica.
Barbosa em diversas ocasiões demonstrou que não se preparou adequadamente para a sessão de ontem. Deu uma pena para Marcos Valério por formação de quadrilha e ainda por cima aplicou uma multa: “Eu torno definitiva a pena de dois anos e 11 meses, e 291 dias de multas, para Valério, com valor de dez salários mínimos por dia, levando em conta a situação financeira do réu. É o que consta dos autos. Essa é a pena para Valério em relação ao crime de quadrilha”, proclamou.
Luiz Fux tentou acudir, comentando baixinho: “Eu tenho a impressão de que não há previsão de multas”. Barbosa insistiu, chamando a atenção para seu próprio erro: “A previsão de multa é genérica.” Não era, não, e Celso de Mello e Ayres Britto, consultando o Código, alertaram que naquele artigo não havia previsão de multa. O relator não se fez de rogado: “Nesse caso eu mudo meu voto, eliminando a imposição de multa.” Ele cometeria outro erro ao tratar do caso de corrupção ativa de Marcos Valério em relação ao diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato. Barbosa baseou sua condenação em legislação de novembro de 2003, que aumentou a pena para esse tipo de crime, mas Lewandowski chamou atenção para o fato de que o crime acontecera antes, sob a vigência de uma lei mais branda.
Barbosa ainda argumentou que a propina recebida por Pizzolato fora paga em janeiro de 2004, mas vários ministros lembraram-lhe que, pela legislação, o crime acontece quando se promete vantagem indevida a funcionários ou se oferece, e não quando a propina é entregue.
Ainda tentando manter a pena mais dura, argumentando que pelo Código Penal a pena é aumentada de um terço se, em razão de vantagem ou promessa, o funcionário retarda ou pratica um ato infringindo o dever funcional, Joaquim Barbosa alegou: “Eu não contemplei.” O presidente do STF perguntou: “Então Vossa Excelência vai aumentar?” Barbosa disse que não, tentando convencer os colegas de que uma coisa contrabalançava a outra.
Quando o item foi colocado em votação, a primeira ministra a votar foi Rosa Weber, que acompanhou o revisor justamente por ele ter dado a pena com base na legislação adequada. Barbosa, que já dissera que Lewandowski estava “barateando” o crime com uma pena mais leve, tentou retomar a discussão, lembrando que o montante desviado “é extremamente considerável”.
Propôs aplicar a cláusula de aumento da pena, mas foi aparteado por Ayres Britto: “Partindo da legislação penal vigente no momento”. Como a situação estava novamente confusa, Britto suspendeu definitivamente a sessão de ontem e pediu que a ministra Rosa Weber retirasse seu voto, para que o relator pudesse refazer o seu e reapresentá-lo na sessão de hoje.
Se os ministros não se reunirem antes da sessão de hoje para tentar um entendimento mínimo sobre os critérios a serem adotados, a definição da dosimetria não apenas não terminará amanhã, como estava previsto, como os advogados de defesa terão base para muitos embargos infringentes e de declaração.
Fonte: O Globo, 24/10/2012
Quando um STF se dispõe a realizar um julgamento sob contôle da mídia, não pode dar outra coisa, esquecem a justiça e começam teatralização do “negócio”. É uma pena.