A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de restringir o foro privilegiado de governadores e conselheiros de tribunais de contas estaduais deve provocar uma remessa à primeira instância de pelo menos 98 dos 214 procedimentos — sindicâncias, inquéritos e ações penais — que tramitam na Corte contra essas autoridades.
Na quarta-feira, a Corte Especial do STJ determinou que só devem continuar no tribunal os casos que envolvam crimes cometidos no mandato e relacionados ao exercício do cargo. A decisão foi tomada por unanimidade e seguiu o entendimento adotado em maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que decidiu pelas mesmas restrições de foro para integrantes do Congresso.
“O Globo” teve acesso a um levantamento feito pelo STJ a pedido de um dos ministros da Corte. De 214 procedimentos envolvendo governadores e conselheiros, 102 continuarão no STJ enquanto quase cem deverão ser enviados à primeira instância nos próximos dias. Outros 14 casos serão decididos individualmente por tratarem de questões mais subjetivas. Isso significa que o número de casos afetados pode aumentar.
Entre as duas centenas de procedimentos, 53 casos tratam especificamente de contendas judiciais envolvendo governadores. Nesse universo, 23 processos vão deixar o tribunal, seis precisarão ser analisados individualmente e 24 continuarão lá. A remessa deve começar hoje, como afirma um dos integrantes da Corte.
— Vou começar a despachar meus processos à primeira instância já. Minha assessoria já separou os casos que não geram dúvidas — diz o magistrado ao “Globo”.
A restrição do foro privilegiado a governadores e conselheiros de tribunais de contas estaduais começou a ser discutida no STJ a partir do entendimento adotado pelo ministro Luís Felipe Salomão, que determinou, no dia 7 de maio, o envio ao Tribunal de Justiça da Paraíba o processo do governador do estado, Ricardo Coutinho (PSB), que estava sendo analisado na Corte. Salomão se baseou na decisão do Supremo que restringiu o foro de deputados federais e senadores. Ele entendeu que, pelo princípio da simetria, a restrição de foro imposta pelo Supremo a congressistas deveria valer também aos chefes dos Executivos estaduais.
O caso do governador paraibano foi remetido à primeira instância porque se tratava de um processo sobre suposto crime cometido antes do cargo atual, quando Coutinho era prefeito de João Pessoa. Depois de determinar a remessa do processo de Coutinho, Salomão levou a questão à Corte Especial, que terminou por aplicar seu entendimento a todos os processos que envolvem essas autoridades no tribunal.
Atualmente, seis governadores têm processos tramitando no STJ: Luiz Fernando Pezão (MDB-RJ), Fernando Pimentel (PT-MG), Waldez Goés (PDT-AP), Ricardo Coutinho (PSB-PB), Wellington Dias (PT-PI) e Robinson Faria (PSD-RN).
Além deles, três ex-governadores que recentemente abriram mão de seus cargos para poder concorrer nas eleições continuam com processos no tribunal: Beto Richa (PSDB-PR), Marconi Perillo (PSDB-GO) e Confúcio Moura (MDB-RR).
Citado por 14 delatores, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, é um dos campeões de processos. Ele é alvo de quatro ações penais e três inquéritos, relacionados às operações Lava-Jato e Acrônimo.
Outro governador alvo de várias ações é Pezão. O emedebista teve um inquérito arquivado no fim de março, no qual era acusado de crimes contra a administração pública e lavagem de dinheiro a partir de denúncias do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.
O governador do Rio, no entanto, passou a ser investigado, em maio, em novo inquérito no STJ, sob a relatoria do ministro Felix Fischer. A ação é baseada na delação do operador Carlos Miranda, que acusa o governador de receber uma “mesada” de R$150 mil entre os anos de 2007 e 2014, quando ainda era vice de Cabral.
Os governadores sempre negaram as acusações.
O CASO DO TCE DO RIO
Também respondem a processos no STJ os cinco conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro (TCE-RJ) que foram afastados dos seus cargos no ano passado: Aloysio Neves, Domingos Brazão, José Gomes Graciosa, Marco Antônio Alencar e José Maurício Nolasco.
Em março, eles foram denunciados pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. São acusados de receber propina em troca de favorecer empresários em julgamentos no TCE-RJ no governo Sérgio Cabral. A denúncia ainda não foi apreciada. Caso seja aceita, os conselheiros afastados irão se tornar réus.
Fonte: “O Globo”