Tribunal ainda vai julgar se medida afeta quem já foi eleito ou se vale apenas daqui para a frente
O Supremo Tribunal Federal (STF) ampliou nesta quarta-feira (4) o alcance da Lei da Ficha Limpa, que impede a candidatura de políticos condenados em segunda instância. Para a maioria dos ministros da corte, o prazo de oito anos de inelegibilidade deve ser aplicado a quem foi condenado por abuso de poder político e econômico antes mesmo de a lei entrar em vigor.
A Lei da Ficha Limpa foi sancionada em 4 de junho de 2010. Antes disso, o prazo de inelegibilidade por abuso de poder político e econômico era de três anos. Quem foi condenado depois já era abrangido pela lei. Para quem foi condenado até 2009, o prazo de oito anos termina antes da campanha do ano que vem. Assim, na prática, os afetados pela decisão do STF na eleição de 2018 serão os que tiveram condenação no primeiro semestre de 2010.
O julgamento tem repercussão geral, ou seja, será aplicada a todos os processos sobre esse tema que tramitam em todo o país. O STF analisa na quinta-feira se modula a decisão, ou seja, o alcance sobre políticos já empossados em cargos e que podem ter seus mandatos em risco. Uma possibilidade é a corte estabelecer que o julgamento valha apenas daqui para a frente, para os novos registros de candidaturas, e não para quem já foi eleito.
No caso hipotético de um prefeito ou vereador eleito em 2016 e condenado por abuso de poder econômico político em 2008 ou 2009, o prazo de três anos já teria se esgotado no momento em que registrou a candidatura. Quando o STF eleva isso para oito anos, ele já fica sob risco. Na quinta-feira, o STF decide se, em casos assim, o mandato deve ser preservado ou cassado.
“Não estamos apenas regulando situações para o futuro, mas eu fui informado por vários representantes do Parlamento, que manifestaram sua intensa preocupação de que, se isso for aplicado retroativamente, muitos prefeitos, parlamentares poderão perder seus mandatos”, alertou o relator, ministro Ricardo Lewandowski, que foi voto vencido no julgamento.
Nos casos de condenações por outros crimes listados na Ficha Limpa, como corrupção, o julgamento do STF não tem efeitos na prática. Isso porque o prazo de inelegibilidade antes da Lei da Ficha Limpa já era de oito anos.
A decisão foi tomada no julgamento do recurso de um candidato que foi condenado em 2004 por abuso do poder econômico e político. Na época, a lei em vigor estabelecia prazo de três anos para a inelegibilidade. Ele cumpriu o prazo e, em 2008, se candidatou e foi eleito vereador. Em 2012, ele se candidatou novamente, mas teve o registro impugnado com base na Lei da Ficha Limpa. Apesar de ter sido eleito, ele foi impedido de tomar posse.
No começo da sessão desta quarta-feira, a defesa do candidato anunciou a desistência do caso, alegando que, no caso específico dele, a decisão não mais o afetaria, já que o mandato tinha terminado em 2016. O relator, ministro Ricardo Lewandowski, sugeriu interromper o julgamento, à espera de outro recurso parecido para que a discussão fosse retomada. Mas, a maioria do tribunal entendeu que deveria continuar o julgamento. Isso porque oito dos 11 ministros já tinham se posicionado, faltando apenas três votos.
O julgamento estava em cinco a três pela ampliação do alcance da lei. Faltavam os votos de Marco Aurélio Mello, de Celso de Mello, da presidente do STF, Cármen Lúcia. Os dois primeiros foram contra, empatando. Mas Cármen Lúcia entendeu que o prazo de inelegibilidade de oito anos pode valer para condenações anteriores a 2010.
“Essa matéria foi exaustivamente analisada pelo Tribunal Superior Eleitoral, prevalecendo esse entendimento de maneira correta”, avaliou Cármen Lúcia.
O ministro Gilmar Mendes, que já tinha votado e é conhecido crítico da Lei da Ficha Limpa, voltou a atacá-la, dizendo que foi mal escrita, por “gente que ignorava português e direito”. Ele usou expressões que tem utilizado com frequência para criticar alguns posicionamentos jurídicos de colegas no STF, como “direito constitucional da malandragem” e “populismo constitucional”.
“Quem disse que não é sanção (a aplicação da Lei da Ficha Limpa)? Que norma é essa? Mas vamos dizer que não seja sanção. É clara restrição a direito feita retrospectivamente”, disse Gilmar, concluindo:
“Pode-se dizer que o que quiser. Chame de sanção, chame de cadeira, chame de bola. O que está aqui é óbvio que é restrição a direito. Afeta o núcleo essencial de um direito.”
Ele chamou atenção para o fato de o julgamento indicar que o STF pode ampliar depois novamente o alcance de uma lei, gerando insegurança jurídica. Marco Aurélio, primeiro a votar no dia, foi na mesma linha, dizendo que o tribunal poderia inaugurar o “vale tudo”.
“A sociedade não pode viver em sobressaltos, muito menos sobressaltos provocados pelo Supremo”, disse Marco Aurélio.
Ele afirmou que o julgamento desta quarta se tornava uma “página negra na história do Supremo”.
“Retroação da lei para mim é o fim em termos de estado democrático de direito. A não ser seja a penal quando mais benéfica ao réu. É o fim”, disse Marco Aurélio.
E criticou os colegas que votaram diferentemente.
“Jamais me defrontei com uma situação tão constrangedora para o Supremo como esta”, afirmou Marco Aurélio, acrescentando: “Fiquei pasmo com os votos proferidos”.
Celso de Mello também foi contra a ampliação do alcance da lei:
“O ato do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) claramente transgrediu o postulado da retroatividade da lei”, disse Celso.
Para seis dos 11 ministros do STF, porém, inelegibilidade não é punição, e sim uma condição que deve ser verificada no momento do registro eleitoral. Assim, não há que se falar em retroatividade. No momento do registro do político em 2008, a lei permitia a candidatura, porque os três anos já tinham se passado. Já em 2012, a lei estipulava inelegibilidade de oito anos. Portanto, ele não poderia se candidatar, mesmo que o crime tenha sido cometido bem antes da criação da Lei da Ficha Limpa.
Em sessões anteriores, tiveram o mesmo entendimento os ministros Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber, Dias Toffoli. Ficaram vencidos: Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello.
Fonte: “Época Negócios”
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