As propostas de mudanças no Estatuto da Magistratura, contidas em texto elaborado pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, dividem opiniões entre os ministros da Corte. Um dos itens mais polêmicos prevê que os interrogatórios de juízes em processos disciplinares ou criminais só podem ser conduzidos por magistrados de instância igual ou superior ao investigado. A medida supostamente esvaziaria o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também presidido por Lewandowski. O órgão tem como função investigar desvios de conduta de juízes.
Integram o CNJ não apenas magistrados, mas também integrantes do Ministério Público e indicados pelo Congresso. O ministro Marco Aurélio Mello disse concordar com Lewandowski e considerar inapropriado que um juiz seja interrogado por alguém que não seja magistrado com a mesma hierarquia. Ele citou, como exemplo, o caso de sua mulher, a desembargadora Sandra de Santis, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que foi alvo de inspeção de rotina do CNJ. Juízes auxiliares do órgão conduziram a operação.
— Vou dar um exemplo caseiro: o gabinete da minha mulher foi um dos primeiros inspecionados pelo CNJ, talvez por eu ser um crítico. Foram lá juízes auxiliares. Isso é ruim, quebra a disciplina. Claro que Judiciário não é Forças Armadas. Mas, para interrogar um ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), por exemplo, tanto quanto possível, deve-se colocar um conselheiro que tenha qualificação semelhante. Porque, quando a lei dos servidores públicos cria comissões, ela impõe que os integrantes sejam da hierarquia do investigado. É um sistema — argumentou Marco Aurélio.
No entanto, outros dois ministros do STF ouvidos pelo GLOBO, que preferiram não se identificar, afirmaram discordar das propostas que limitam a atuação do CNJ. Para eles, o conselho cumpre o importante papel de investigar magistrados em processos disciplinares, e enfraquecer essa prerrogativa seria um retrocesso para o Judiciário. Antes de ser encaminhada ao Congresso, a minuta do Estatuto da Magistratura terá de ser aprovada pelo plenário do tribunal. Os ministros ainda estão analisando o texto.
Hierarquia militar
Na terça-feira, durante sessão do CNJ, Lewandowski defendeu a proposta e comparou a hierarquia do Judiciário à dos militares:
— Isso acontece em outros organismos também, especialmente nas Forças Armadas. Não se tem ideia nem notícia na história de nossas Forças Armadas de sargento que interrogasse um coronel, ou um capitão, ou um general.
A maior parte dos integrantes do CNJ é contra as propostas contidas no Estatuto. A crítica maior é de que o presidente enviou a proposta em dezembro a ministros do STF para que seja discutida e não teve a mesma deferência com os conselheiros do CNJ.
— No CNJ, ninguém foi ouvido — reclamou um dos integrantes do órgão.
O conselheiro Guilherme Calmon criticou a proposta de mudança na regra sobre interrogatório de magistrados. Ele ponderou que o artigo interfere claramente na atuação do CNJ, pois conselheiros que não forem magistrados ficarão impedidos de participar de investigações disciplinares. Calmon também chamou a atenção para o controle administrativo dos tribunais. Pelo Estatuto, o CNJ só pode recomendar medidas aos tribunais se puder arcar com o orçamento necessário para cumpri-las.
— Isso vai inviabilizar, na prática, a atuação administrativa do conselho — disse Calmon.
— É absolutamente incabível e inconstitucional, porque os orçamentos são dos tribunais por força constitucional. O CNJ deve zelar pela adequada atuação financeira dos tribunais — disse outro conselheiro, que preferiu o anonimato.
‘Democracia participativa’
Há também na proposta de Estatuto um dispositivo que impede o CNJ de criar novas atribuições para si por meio de atos internos. Para conselheiros, essa medida engessa a atividade do órgão, que ficaria impedido, por exemplo, de realizar atividades como mutirões carcerários.
Lewandowski também tem sido criticado por ter criado dois conselhos consultivos para assessorar a presidência do CNJ. Um deles é formado por presidentes de associações de classe da magistratura e o outro, por presidentes dos Tribunais de Justiça. Com eles, Lewandowski quer cumprir a promessa de restituir o diálogo com a categoria. O antecessor dele, Joaquim Barbosa, protagonizou conflitos com entidades da magistratura.
— Na nova democracia participativa que se implantou com a Constituição de 1988, não é mais possível estabelecer metas e prioridades de cima para baixo, sem ouvir aqueles que são atingidos por essas metas — disse Lewandowski na terça-feira.
Fonte: O Extra.
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