O Tribunal de Contas da União (TCU) começou a julgar, nesta quarta-feira, o relatório do ministro José Múcio, favorável à possibilidade de o governo federal abrir mão de uma classe especial de ações, denominada golden share, que ele ainda detém em empresas privatizadas, como Embraer, Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) e Vale. Esse tipo de ação dá ao governo federal poder de veto em decisões consideradas estratégicas. O processo se refere a uma consulta apresentada ao TCU pelo ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em julho de 2017.
O voto do ministro José Múcio foi seguido pelo ministro Marcos Bemquerer. Mas com o pedido de vista do ministro Vital do Rêgo, os demais colegas optaram por votar quando o assunto retornar à pauta do plenário do TCU.
Leia mais:
Márcio Coimbra: Reféns do atraso
Sebastião Ventura: Um país sem visão estratégica
Marcus Melo: A capivara, o crucifixo e o arremesso de anões: o STF voltará ao normal?
O processo chegou a ser pautado anteriormente, mas foi retirado pelo próprio relator, depois que o Comando da Aeronáutica pediu um tratamento diferenciado no caso Embraer por causa do acordo com a Boeing. A principal preocupação é com os projetos de defesa executados pela companhia. O relator, contudo, avaliou que isso não é possível, porque a legislação é genérica e não particulariza empresas.
O Planalto, por sua vez, já deu sinais de que não pretende abrir da golden share na companhia. No entanto, isso não significa que o presidente Michel Temer vá vetar o negócio. Ao contrário, Temer autorizou que as negociações prossigam.
— Desde que o acordo não prejudique os projetos de defesa, o governo não vai interferir na relação comercial, até porque são duas empresas privadas. O governo não vai jogar contra. Há, inclusive, uma torcida para que o negócio dê certo — disse um interlocutor.
Na consulta, Meirelles argumentou que a extinção de golden share resultará em uma maior valorização das companhias, porque elimina risco de ingerência política. No relatório, José Múcio afirma é preciso considerar as características de cada empresa para decidir sobre a exclusão ou não dos direitos da União em cada uma delas. No caso da Embraer, por exemplo, a existência da golden share está ligada à soberania nacional, porque a Força Aérea é dependente da companhia, “para manter a capacidade operacional e, conseqüentemente, ter condições de assegurar a soberania do espaço aéreo brasileiro”.
+ CEO do Imil analisa a importância de iniciativas da sociedade civil para as eleições
Na avaliação do relator, não faz sentido manter golden share se os motivos pelos quais ela foi criada não existem mais, diante das mudanças na economia. Ou seja, a União não precisa manter esse tipo especial de ação até o fim das empresas. Porém, ele afirma que a decisão deve ser fundamentada, inclusive que a União seja indenizada pelos acionistas, caso decida abrir mão do seu direito.
No voto, o relator cita parecer do Ministério Público junto ao TCU, a favor da extinção de golden share:
— Não é razoável admitir que, ao prever a criação das ações de classe especial, quisesse o legislador mantê-las ad eternum, impondo que, após a inclusão nos estatutos sociais das empresas desestatizadas, permanecessem imutáveis mesmo que extintas as condições que as criaram — afirmou.
O ministro argumenta ainda que, se o Congresso Nacional, por meio da lei do Plano Nacional de Desestatização (PND), autorizou o Executivo a privatizar completamente empresas estatais, permitiu também suprimir golden share. O relator afirma, porém, que a decisão exige uma lei específica.
Fonte: “O Globo”