No mês de agosto de 2017, este que agora escreve colocou em pauta uma questão importante a respeito da Emenda Constitucional do Teto de Gastos, aprovada pouco tempo antes e cujos efeitos começariam a ser sentidos em breve. Eis a questão: a sociedade brasileira, diante deste limite geral aos gastos públicos (notável: o limite é para o orçamento geral, não para áreas específicas), deveria se conscientizar que a ampliação de benefícios aos que já os concentram necessariamente implicaria na redução de recursos para outras áreas. Ou, mais diretamente: ampliar algum benefício concentrado é tirar recurso de outra área.
Agosto de 2018, um ano após aquele artigo, já podemos nos deparar com polêmicas e palpáveis questões a respeito da alocação de recursos no país. Peço desculpas pelo eventual efeito repetitivo, mas é mesmo importante que o leitor tenha isso em mente: o Teto de Gastos se coloca sobre o orçamento todo, não em relação a áreas específicas – então, se você leu em algum lugar que “educação e saúde agora têm limite”, saiba que teve contato com o supra sumo das fake news, porque não é isso que se trata o limite de gastos.
Uma questão bastante polêmica que surgiu nos últimos dias é sobre as bolsas de pesquisa da CAPES. Anunciou-se que, com os recursos direcionados para esta área, já em 2019 muitas bolsas poderiam não ser pagas – o que depois foi desmentido pelo Ministério da Educação. Possibilidade real ou não, isso acontece por um motivo que vai além da existência de um limite para os gastos gerais: se o recurso é limitado, ao aumentar de uma área necessariamente veremos as outras serem diminuídas.
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Afinal de contas, que tipo de área drenou mais recursos ao ponto de reduzir investimentos que poderiam ser destinados a outras áreas? Uma delas vai começar a dar as caras nas próximas semanas, com o início das campanhas eleitorais: o fundo público para campanhas – esta que faz do Brasil o melhor país do mundo caso você seja ou queira ser um político. Outra é o conjunto de reajustes que têm ocorrido em todo o país sobre o salário dos servidores públicos, especificamente os do judiciário. Ah, e é claro, quase ia me esquecendo: tem também o subsídio aos caminhoneiros, após sua greve que, convenhamos, teve como reais resultados uma piora nas condições da própria classe e a redução da confiança na retomada econômica brasileira neste ano.
A emenda do Teto de Gastos coloca que o orçamento como um todo não pode ser aumentado além da inflação do ano anterior durante 20 anos, sendo que no décimo ano será discutida a possibilidade de que essa regra seja flexibilizada pelos outros dez anos, até que se encerre o período total. Estamos ainda no segundo ano de vigência e já observamos como existe uma enorme hipocrisia em relação a prioridades orçamentárias em nosso país.
Por falar nessa hipocrisia, relembremos Cristovam Buarque, ao final de 2016 falando deste tema. Parafraseando-o livremente: com o Teto de Gastos, acabou essa de dizer que qualquer coisa é prioridade no Brasil, porque elencar algo como prioridade é necessariamente dizer que os outros entrarão em seguida, mas não com a mesma importância daquilo que se afirma ser a prioridade. Pois é, senador, a verdade é complicada: em nome de um suposto conjunto de prioridades, setores que já estão acostumados ao privilégio de recursos, bradarão a todos que não podem perder tais privilégios – ao passo que, simultaneamente, reclamarão quando outros setores importantes perderem recursos.
Direto ao ponto: não adianta ser a favor da defesa de subsídios ao setor de transportes e se incomodar de pagar mais caro na gasolina depois disso; não adianta ser favorável a reajustes no judiciário e depois vir reclamar que falta recurso para outras áreas dentro da segurança pública; não adianta também indicar que é impossível imaginar que quem possa pagar pelo ensino superior público pague e em seguida reclamar quando a queda de arrecadação dos impostos que sustentam estas estruturas faz com que estas ofereçam menos aos que delas usufruem.
Já é assunto corrente, inclusive entre as equipes econômicas dos presidenciáveis em campanha, que o Teto de Gastos talvez não tenha sido boa ideia. É importante lembrar que o orçamento ter limite é uma obviedade que independe de lei: temos que lutar contra os incontáveis casos brasileiros em que as prioridades são invertidas e não sobra recurso para o que nos faria realmente avançar, não perder tempo culpando a aproximação dos limites orçamentários como sendo a maior vilã do orçamento público em si.
Lembre-se que sempre atrás de boas intenções que envolvem gastos públicos estão alguns poucos beneficiados que concentram recursos. Ignorar isso é observar a continuidade da concentração de recursos com os que sempre os tiveram e a cada vez menor atenção aos que poderiam (e mais necessitam) tê-los.
Em suma: a culpa não é do Teto de Gastos, que é uma obviedade, mas do péssimo conjunto de prioridades brasileiras.
Fonte: “Terraço Econômico”, 08/08/2018