*com Renato Fragelli
A reação coordenada da Abimaq, Fiesp e outras entidades empresariais contra a TLP, com a simpatia — posteriormente desmentida — do presidente do BNDES, mostra que o governo está na direção correta.
Um dos tópicos mais destacados da literatura acadêmica recente sobre crescimento econômico é o conceito de má alocação (misallocation) de recursos causada por distorções idiossincráticas. Em substituição aos modelos agregados tradicionais, nos quais a baixa produtividade causada por alguma política pública prejudica a todos da mesma forma, a nova literatura estuda distorções que afetam firmas e agentes de forma diferenciada. Uns são beneficiados, outros prejudicados, alguns em grande medida, outros ligeiramente. A má alocação de recursos entre as firmas prejudica aquelas potencialmente mais eficientes e incentiva o crescimento de outras menos produtivas. O resultado é um menor ritmo de crescimento da produtividade média da economia.
Durante os governos petistas, o BNDES foi um ativo instrumento de política industrial e seus desembolsos atingiram níveis muito acima daqueles observados no passado. Além de suas fontes de financiamento usuais — recursos do FAT e capital próprio —, o banco recebeu empréstimos do Tesouro em torno de R$ 500 bilhões. As taxas de empréstimo do banco, por serem muito inferiores à taxa paga pelo Tesouro ao levantar recursos no mercado, embutiram elevado subsídio ao capital. O Programa de Sustentação do Investimento (PSI), por exemplo, chegou a operar com taxas de 2,5% ao ano, enquanto o Tesouro se financiava à taxa Selic em torno de 11% Selic.
Grande parte das operações do BNDES no período utilizava a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP). Embora aqui o subsídio fosse inferior àquele do PSI, ele era ainda bastante significativo. Nos últimos dez anos, a TJLP ficou em média 4 pontos percentuais abaixo da Selic. Além de questionável do ponto de vista de seu retorno para sociedade — não se conhece qualquer avaliação mais séria desses programas — esse subsídio não é contabilizado como tal, não passa pelo orçamento federal e, portanto, não permite seu controle pela sociedade ou Congresso. O volume estimado de subsídio implícito anual foi de 0,5% do PIB, equivalente ao custo do programa Bolsa Família.
Em outras palavras: o subsídio ao capital do governo petista era tão caro quanto o mais importante programa social do mesmo governo, um programa bem focado e com bons resultados na redução da pobreza.
Mais importante ainda que a transferência de recursos para os donos das empresas com acesso ao BNDES é a má alocação de recursos. Esses fundos não caem do céu, são obtidos via tributação ou endividamento do governo. Os recursos drenados pelo governo implicam escassez de fundos no setor privado, levando a uma maior taxa de juros para as empresas que não têm acesso ao BNDES, inviabilizando muitos projetos e reduzindo outros. Não havia um critério claro para a distribuição de recursos do BNDES — haja vista as experiências do Grupo X, JBS, Frigorífico Independência, Oi, para citar somente alguns exemplos. Claramente não se enfatizavam critérios de eficiência e privilegiavam-se grandes empresas. Muitos projetos inviáveis a taxas de mercado passaram a ser financiados com subsídios, e projetos promissores sem acesso aos fundos do banco foram prejudicados pelas altas taxas de juros, aumentando a ineficiência geral da economia.
A Taxa de Longo Prazo (TLP), proposta pelo atual governo, visa corrigir grande parte desses problemas. Em cinco anos, a TLP convergirá para a taxa da NTN-B com cinco anos de prazo de vencimento. Somente empresas de setores pré-definidos — aqueles que supostamente geram retornos sociais acima dos privados — receberão subsídios. Estes se tornarão transparentes e contabilizados como tais. A menor competição do governo com o setor privado por recursos escassos reduzirá a taxa de juros média paga por todos, beneficiando todas as empresas igualmente, inclusive startups e novas empresas inviabilizadas pelos atuais juros de mercado estratosféricos.
As firmas ineficientes que só sobrevivem por terem acesso às taxas subsidiadas irão desaparecer ou terão que aumentar sua produtividade. No final haverá um conjunto mais eficiente de firmas e com isso a produtividade do país aumentará. Adicionalmente, o fim do subsídio interromperá a transferência de fundos para os mais ricos, algo extremamente injusto socialmente.
Obviamente há outras distorções. Os custo de oportunidade dos recursos do FAT — redução da dívida pública, por exemplo — também está acima das taxas que o banco empresta. A não contabilização de todos esses subsídios levou o banco a distribuir lucro aos seus funcionários, quando na verdade o prejuízo, uma vez feita a contabilidade dos seus subsídios corretamente, seria de mais de R$ 30 bilhões ao ano. Não surpreende que a associação de funcionários do banco tenha protestado contra o fim da TJLP. Aqui a miopia ideológica é uma conveniente aliada dos interesses corporativos. O que surpreende é que diretores e economistas com formação sólida — alguns com passado liberal — defendam a atuação passada do banco. Esses, mais do que ninguém, aprenderam com Milton Friedman que não há almoço grátis e a atuação recente do banco custou caro à sociedade.
Em um país onde faltam recursos para educação básica, saúde, segurança e outras áreas essenciais, chega a ser espantoso a desfaçatez da Abimaq, Fiesp e outras entidades empresariais alienadas da amarga realidade nacional, ao combaterem a nova TLP. Igualam-se a corporações de servidores que, mesmo com salários superiores aos de trabalhadores do setor privado com mesma qualificação, e fruindo da invejável estabilidade no emprego, mobilizam-se contra a reforma da previdência e a manutenção de outros privilégios injustificáveis. Espera-se que a atual diretoria do BNDES se alinhe ao restante da equipe econômica no intuito de reconstruir a saúde fiscal destruída pela Nova Matriz Econômica e eliminar distorções que entravam o crescimento.
Fonte: “Valor econômico”, 19/07/2017.
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