O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impõe centenas de multas todos os anos a partidos, candidatos e políticos. No entanto, não existe fiscalização quanto ao pagamento dos valores. Não há lista de devedores, ou cadastro informando quem paga e quem não paga as multas. Logo, quem não quita o débito, na prática, não sofre sanção porque não existe um sistema de cobrança das dívidas.
A falta de controle contrasta com as cifras sob a responsabilidade da Justiça Eleitoral. O orçamento do TSE para 2020, ano de eleições, é de R$ 2,1 bilhões. Cabe ainda a este ramo da Justiça fiscalizar R$ 959 milhões correspondentes ao Fundo Partidário e outros R$ 2 bilhões do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conforme os gastos previstos para este ano. Se o dinheiro das multas fosse devidamente cobrado, o Erário estaria mais recheado para arcar com esses custos.
O único controle da Corte sobre as multas é feito caso a caso: ou seja, se alguém tiver interesse em saber se determinado político quitou um débito, precisa encaminhar o questionamento aos técnicos do TSE, que checam diretamente no processo específico para verificar se foi incluído comprovante de pagamento. A resposta pode demorar dias, a depender do número de páginas do processo.
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No caso das multas impostas por Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), a situação é ainda mais crítica. O TSE não sabe informar se os valores foram pagos, mesmo se tiver julgado um recurso e confirmado a condenação. A pergunta deve ser dirigida diretamente ao tribunal responsável por aplicar inicialmente a penalidade. Não há, portanto, um cadastro único da Justiça Eleitoral com os devedores compilados.
Questionada pelo GLOBO sobre o assunto, a assessoria de imprensa confirmou que não existe esse controle. Afirmou ainda que o tribunal “vem buscando soluções de sistema para a compilação desses dados”, sem especificar qual seria o plano para melhorar o quadro atual. Ainda segundo a assessoria, “hoje, esse controle é feito manualmente, processo a processo”.
O GLOBO procurou, por meio da assessoria de imprensa do TSE, a presidente da Corte, Rosa Weber, para comentar a situação. Ela não quis dar declaração. O vice-presidente do tribunal, ministro Luís Roberto Barroso, que substituirá Weber a partir de maio, também não quis falar sobre eventuais planos em sua administração para controlar melhor o pagamento das multas. A advogada Luciana Lóssio, que já foi ministra do tribunal, considera fundamental a criação do cadastro com os devedores.
— O tribunal precisava ter um arquivo com esse controle das multas, para poder efetivar a cobrança. Muitas vezes, a penalidade cai no esquecimento — explica Luciana Lóssio.
A falta de controle provoca situações curiosas. Na campanha para a Presidência de 2014, Dilma Rousseff foi multada por propaganda irregular. Ela só foi cobrada da dívida em 2018, quando transferiu seu domicílio eleitoral do Rio Grande do Sul para Minas Gerais. Isso porque a ex-presidente precisou de uma certidão de quitação eleitoral, onde estava expressa a multa. Ou seja: o valor só foi quitado quatro anos depois, pela circunstância específica.
Prescrição é risco
Um dos motivos pelos quais as multas eleitorais dificilmente são cobradas é o valor mínimo das execuções feitas pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, que é de R$ 20 mil. Geralmente, as sanções eleitorais têm valor inferior em relação a esse patamar. Por outro lado, ocorre prescrição da execução depois de dez anos — ou seja, passado esse prazo, não se pode mais cobrar o valor. Daí o fato de boa parte das multas eleitorais caírem em esquecimento.
Questionado pelo GLOBO, o TSE confirmou que foi devidamente paga a multa de R$ 2 mil imposta ao empresário Luciano Hang em setembro do ano passado. Ele foi condenado por propaganda eleitoral em favor do então candidato a presidente Jair Bolsonaro e pagou a multa no mês seguinte. Na campanha de 2008, o empresário fez um vídeo dentro de uma loja Havan para declarar apoio ao presidenciável. Geraldo Alckmin, candidato tucano ao Palácio do Planalto, entrou com a ação no TSE alegando “propaganda em bem de uso comum”.
Hang pagou também uma multa de R$ 10 mil por impulsionamento de um post de Bolsonaro no Facebook, o que é proibido. A pena foi definida em setembro do ano passado e o pagamento foi feito no mês seguinte.
Irregularidades durante as eleições
Na lista de condenações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), há casos da última eleição presidencial em 2018. Em alguns deles, a demora para a quitação da dívida não pode ser atribuída apenas ao multado, mas também à burocracia da tramitação dos processos.
É o caso de condenação imposta a apoiadores de Bolsonaro por propaganda antecipada. O grupo ergueu um outdoor no município de Piumhi, em Minas Gerais, com a imagem do então candidato antes de 15 de agosto de 2018, data do início da campanha eleitoral. Ainda que fosse em data posterior, seria uma ilegalidade, porque o uso de outdoor de candidatos é vedado por lei.
Cada apoiador foi condenado a pagar R$ 5 mil, mas as multas ainda não foram pagas. Isso porque a decisão, apesar de ter sido tomada em novembro do ano passado, ainda não foi oficialmente publicada, de acordo com informações do TSE. Portanto, o prazo para pagamento ainda não terminou.
+ “A desinformação passou a ser usada como estratégia política”
Ainda de 2018, há casos pendentes de recursos. O TSE multou a coligação do então candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad, em R$ 176,5 mil por impulsionar conteúdo contra Bolsonaro na campanha de 2018. Segundo o processo, foram veiculados trechos de um editorial do jornal “The New York Times” que considerava Bolsonaro “triste escolha ao Brasil”, com pontos de vista repulsivos. O valor da multa corresponde ao dobro do que o PT teria pago ao Google para impulsionar o conteúdo. Segundo a assessoria de imprensa do TSE, o PT ainda não pagou a multa. No entanto, como o partido ainda pode recorrer, a dívida não precisaria ser paga agora.
Em outubro de 2014, o TSE multou o então candidato do PSDB à Presidência, Aécio Neves, em R$ 40 mil por ter veiculado oito inserções na televisão sem indicar o nome do candidato a vice na chapa, Aloysio Nunes Ferreira. A legislação obriga as coligações a informar, nas propagandas eleitorais, o nome dos candidatos a vice. A multa foi paga no mês seguinte.
Em agosto de 2014, o TSE multou em R$ 7,5 mil ao então ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, por propaganda eleitoral antecipada em favor da ex-presidente Dilma Rousseff, que era candidata à reeleição. A irregularidade ocorreu durante entrevista coletiva em junho do mesmo ano, sob o argumento de fazer um balanço sobre a Copa do Mundo. A dívida foi quitada em fevereiro de 2015.
Fonte: “O Globo”