Um capitalismo para o povo: interesses difusos vs. benefícios concentrados
O professor da Universidade de Chicago, o italiano Luigi Zingales, estará no Brasil nos próximos dias para lançar seu livro “Um capitalismo para o povo” (BEI Editora, 2015), que já li e recomendo. Zingales tem sido um dos grandes críticos do “capitalismo de compadrio”, ou “capitalismo de estado”.
Muitas vezes a raiva do leigo em relação ao capitalismo é legítima, mas não é o capitalismo de livre mercado que ele está condenando e atacando, e sim esse de “laços”. Por isso o enfoque de Zingales é tão importante: para reduzir essa ignorância e explicar melhor o que é o capitalismo verdadeiro.
Já escrevi alguns artigos com base em seus livros, um deles publicado em “O Globo”, em que defendo um capitalismo sem doping, fazendo uma analogia com os esportes. Creio ser esse um dos melhores meios de persuadir os mais leigos a favor do capitalismo liberal.
O grande desafio do liberalismo, além dessa falta de conhecimento do público em geral, é o fato de que defende interesses difusos, enquanto luta contra benefícios muito concentrados. Grandes empresas, grandes sindicatos e governantes adoram um estado poderoso, intervencionista, centralizador, pois dele se aproveitam. Quem paga o pato somos todos nós, os pequenos nessa história.
Outra tecla que Zingales tem batido bastante é na deterioração institucional dos Estados Unidos. Como alguém que veio da Itália, uma espécie de Brasil da Europa (muito melhorado, eu sei), Zingales olha com tristeza o aumento do capitalismo de laços naquela que já foi a nação da liberdade.
Como brasileiro agora residindo nos Estados Unidos, também posso atestar o mesmo fenômeno. Claro que Obama não criou isso, mas é, talvez, seu maior sintoma: em vez de países latino-americanos avançarem rumo ao modelo americano, são os Estados Unidos que caminham para trás, tornando-se mais parecidos com esses países onde o estado, em simbiose com grandes grupos, determina regras do jogo arbitrárias e distribui privilégios aos montes.
Em breve entrevista hoje a “O Globo” (edição de 16/6), Zingales resume seu ponto de vista, e fala também do caso brasileiro. Ele tenta fornecer um caminho para se chegar ao legítimo capitalismo, o que não é fácil, justamente por esbarrar em inúmeras barreiras de grupos de interesses e na mentalidade estatizante dos leigos:
O Globo: Como atingir esse capitalismo?
Zingales: Há várias etapas. A primeira é explicar às pessoas o que é do interesse delas. Neste aspecto em particular, a mídia pode desempenhar um papel importante. Infelizmente, a mídia tende a ser refém do interesse de quem não quer a concorrência. O segundo passo é ter uma forte autoridade antitruste, que olhe não apenas para a dimensão econômica, mas para a dimensão política. Se estou em um país com dois grandes bancos, não há apenas um problema econômico – os bancos vão se unir para manter os preços elevados -, como os bancos terão uma capacidade desproporcional de influenciar o governo a fazer a regulação a favor deles. O último ponto é a transparência dos dados, para se avaliar o governo e a regulação. Frequentemente, reguladores mantêm os dados confidenciais. Dessa forma, não se pode ver o efeito da regulação. Em alguns casos, há boas razões para isso, mas, de maneira geral, não há motivo para amnter os dados confidenciais para sempre. Sou a favor de uma divulgação tardia, de três ou cinco anos, como faz o Federal Reserve (Fed, o banco central americano). O fato de que a regulação se tornará pública em algum momento a torna mais honesta e mais eficiente.
Quanto mais arbitrárias forem as regras do jogo, quanto mais poder for concentrado no estado, e quanto maior for o prêmio da captura do governo pelas grandes empresas, maior será a corrupção, que afeta negativamente o funcionamento da economia de mercado. Explicar que é do interesse geral, portanto, reduzir o papel do estado na economia e deixá-la funcionar mais livremente, sob regras claras e impessoais igualmente válidas para todos, é fundamental para o progresso. É o desafio dos liberais. Zingales conclui:
O Globo:O Brasil atravessa uma crise por causa da Operação Lava-Jato, que investiga casos de corrupção. Como o livro pode ajudar nessa questão?
Zingales: Muito frequentemente, há uma coalizão de direita que apoia os mercados, mas é pouco clara sobre os perigos que a corrupção traz ao mercado. E uma coalizão de esquerda a favor de suprimir o mercado, achando que vai acabar com a corrupção, quando na verdade aumenta. Meu livro fica no meio do caminho, mostrando que, para o sistema funcionar ebem, é preciso ter mercados competitivos e lutar contra a corrupção. A corrupção prejudica muito os mercados.
PS: Dois brasileiros têm feito um ótimo trabalho nessa linha do Zingales. Um deles é Sérgio Lazzarini, do Insper, que publicou em livros estudos estatísticos que mostram claramente nosso “capitalismo de laços”. O outro é Diogo Costa, criador do site Capitalismo para os pobres, que hoje está lecionando no exterior. Creio ser fundamental esse tipo de abordagem, pois se não formos capazes de persuadir os mais pobres de que o capitalismo é seu melhor amigo, então seremos sempre vítimas dos grupos de interesse, alimentados pela mentalidade estatizante tão disseminada em nossa esquerda.
Capitalismo para o povo
Fonte: Veja
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