Um dos maiores especialistas nas relações entre Brasil e Estados Unidos, Peter Hakim, de 71 anos, coordena o Diálogo Interamericano, grupo de intelectuais que discute o tema. Ele falou sobre os ecos do julgamento do mensalão por telefone, de Porto Alegre, onde participava de um congresso.
O Globo: Qual a importância histórica que o senhor dá para este julgamento?
Hakim: Foi muito especial. Nunca políticos tão proeminentes haviam ido para a cadeia no Brasil, acusados de corrupção. Isso tem ineditismo até se pensarmos em nível mundial. Mas um evento se torna histórico pelo que vem depois dele. Tome como exemplo os EUA: em 1954, uma decisão da Suprema Corte declarou inconstitucional a segregação racial nas escolas. Isso foi uma decisão politicamente imensa, mas que não teria sido histórica sem o que veio depois: o movimento pelos direitos civis, o investimento no acesso à educação universal etc. O primeiro negro a ocupar a Presidência (Barack Obama) só chegou em 2008. Ou seja, o processo levou tempo. O que me preocupa no Brasil é que levou muito tempo, sem grandes avanços terem ocorrido no meio, entre o impeachment do (ex-presidente) Fernando Collor de Mello, em 1992, e a prisões dos mensaleiros. Vinte anos.
O Globo: Se Collor tivesse sido preso, teria sido diferente? Ele foi absolvido pelo Supremo e voltou à política…
Hakim: Acho que o Collor não foi para a prisão porque a democracia brasileira ainda era muito imatura, e foi um embaraço muito grande para o país à época ter seu primeiro presidente eleito na redemocratização pego roubando. Minha aposta é que as instituições tinham pouca experiência em lidar com uma situação dessas, e a renúncia pareceu à época uma punição justa. Mas é fato que o Brasil não se aproveitou do que aconteceu com o Collor como poderia. Ele foi tratado como uma aberração, mas quantos políticos importantes foram acusados de corrupção depois dele? O (Paulo) Maluf, que não cumpre pena… O Collor não teve o impacto de longo prazo que eu espero que agora o mensalão tenha. Foi um novo e importante primeiro passo. É uma longa jornada, mas grandes viagens começam com pequenos passos.
O Globo: E como fazer com que o impacto seja percebido a longo prazo?
Hakim:O Judiciário deu passo importante que o Legislativo não conseguiu dar, de se mostrar independente, apesar de ser visto como disfuncional: o Judiciário é lento, trabalha com ampla possibilidade de recursos, sistema no qual ricos com bom advogado tendem a receber tratamentos diferenciados. O caminho é este: poderes mais independentes, instituições mais honestas. As instâncias públicas se comunicando com a opinião pública, como me pareceu que o caso do mensalão fez, envolvendo diferentes esferas sociais, a imprensa. O Legislativo precisava parar de proteger seus integrantes com a imunidade parlamentar, que se tornou um facilitador da corrupção. A corrupção no Brasil é endêmica, e isso envolve mudanças na esfera pública e na privada também. É importante que o país não lide com esse julgamento como incidente histórico isolado.
O Globo: O que o senhor acha da postura de réus como José Dirceu e José Genoino, alegarem inocência e perseguição política. O PT tem motivo para acreditar que foi vítima na história?
Hakim: Nenhuma. E me surpreendem duas coisas: alegações de defensores de que eles fizeram isso não para enriquecer pessoalmente, mas por um bem maior. Mais uma vez a necessidade de se mudar este pensamento de que, no Brasil, a corrupção faz parte do sistema. Ao alegarem inocência, Dirceu e Genoino agem como atletas que justificam uso de esteroides para aumentar suas performances. Há várias formas de ganhar dentro da legalidade. O PT não foi perseguido, o mensalão foi notório porque envolveu gente muito importante, de um alto escalão público.
Fonte: O Globo
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