A divulgação de mais um trimestre de dados decepcionantes sobre a evolução do PIB trouxe de volta dúvidas a respeito da real capacidade de o país crescer a taxas razoáveis de forma sustentada, sob o modelo econômico em vigor. Viu-se que o PIB subiu 2,3% ao ano em 2013, levando à média pífia de apenas 2% no período 2011-13, comparados aos 4,8% médios do auge da fase Lula.
De uns anos para cá, a taxa de investimento vem girando ao redor de 18% do PIB, em seguida ao salto de quatro pontos percentuais entre 2002 e 2008, com base em financiamento externo. Por trás do desempenho total, a indústria de transformação, depois de ter crescido a uma taxa próxima da média por algum tempo, está mais ou menos estagnada desde então. A tudo isso, as autoridades costumam reagir com a surrada desculpa do cenário externo desfavorável.
O fato é que o governo optou por um modelo de sustentação do consumo via elevação dos gastos públicos correntes e do crédito, e parece ter acreditado que, uma vez acionados os fatores de impulsão desse sistema, os investimentos se seguiriam sem maiores limitações e a economia cresceria a taxas elevadas de forma sustentada.
Um consumo interno alto implica baixa poupança e queda no investimento doméstico, levando, portanto, a uma produtividade modesta, e, no fim, a um menor crescimento do PIB e do consumo, frustrando o objetivo a que se almeja. A falta de perspectiva de crescimento sustentado do consumo acaba conduzindo à contenção dos investimentos.
Nesse contexto, a possibilidade, cada vez mais real, de os emergentes absorverem maiores volumes de poupança externa termina aliviando a restrição de poupança e permitindo maior crescimento do PIB — como de fato ocorreu entre 2003 e 2008 —, mas, a partir de certo momento, passa a penalizar certos segmentos, como vem acontecendo com a indústria de transformação desde 2010.
Para os setores de bens comercializáveis com o exterior, como a indústria, o desestímulo aos investimentos acaba se tornando mais profundo do que sugere a análise em termos agregados. O que se passa é que algum segmento terá de puxar o carro das importações e do déficit na conta-corrente externa, sem o que o ingresso de poupança de fora não se materializa.
Ou seja, é preciso haver um déficit na conta externa para a poupança de fora ser absorvida pela economia interna. E isso implica desestimular investimentos na indústria, que passa a desempenhar o papel de porta de entrada para o ingresso de poupança externa, embora esta tenda a não se dirigir ao financiamento de sua expansão.
Por outro lado, nos segmentos de produtos não comercializáveis com o exterior, basicamente serviços, qualquer crescimento de demanda estimula os investimentos, pois não há como atender a ela, se não for via expansão da produção interna. Isso se dá pela elevação dos preços desses segmentos em relação aos demais, permitindo, inclusive a absorção de aumentos salariais inerentes ao processo.
O mesmo não se pode dizer quanto ao segmento industrial, onde os preços tendem a se manter interligados aos mercados mundiais e onde o efeito China leva à conservação desses preços em níveis relativamente baixos e estáveis. Enquanto a produtividade da mão de obra puder aumentar, é possível acomodar aumentos salariais na indústria, mas a partir de certo ponto isso se mostra mais difícil.
Finalmente, mesmo contendo produtos comercializáveis com o exterior, como fonte de atração de investimentos o segmento de commodities agrícolas e minerais se junta não à indústria, mas ao setor de não comercializáveis, pois somos fortes exportadores desses produtos e os seus preços externos têm subido bastante desde 2002.
Assim, a absorção de poupança externa alivia a restrição de poupança, mas à custa de perda da importância relativa de segmentos com as características do industrial. Nesse contexto, o papel desempenhado pelos demais segmentos — serviços e commodities — passa a ser crucial, pois sua capacidade de resposta aos estímulos econômicos dará o ritmo do crescimento global da economia. Uma reação fraca faz com que a inflação suba e o governo seja obrigado a cortar a demanda agregada para trazê-la de volta à meta.
De qualquer forma, dificilmente o modelo de consumo terá vida longa como motor de crescimento. Primeiro, porque os fatores de impulsão vão se desgastando. E segundo porque, na essência, se trata de um modelo antipoupança, e, portanto, anti-investimento. Em adição, o governo, insatisfeito com subprodutos como o encolhimento do peso da indústria, termina adotando políticas compensatórias de socorro aos perdedores, de custo alto para o orçamento público e nenhuma garantia de solução sustentável, acentuando a tendência anti-investimento. Ou atrasa processos inevitáveis na área de serviços, como o de retomada das concessões privadas de transportes, por puro viés ideológico-populista. Nesse contexto se insere, ainda, o controle de preços básicos como energia elétrica, petróleo e tarifas de transporte, em que tenta combater inflação sem dor imediata.
Fonte: O Globo, 10/03/2014
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