Com a anunciada aposentadoria da ministra Ellen Gracie, teremos uma nova indicação para o Supremo Tribunal Federal, a décima de governos petistas. Ainda em 2012 mais dois ministros se aposentam, e estará sendo julgado o processo do mensalão. Pelo menos a(o) substituta(o) da ministra Ellen Gracie atuará no julgamento e pode ser fundamental na decisão.
A sucessão da ministra já era discutida em Brasília antes mesmo que sua aposentadoria saísse oficialmente no Diário Oficial, o que ocorreu ontem, e praticamente apenas mulheres são cogitadas, seguindo a lógica de que a presidente Dilma Rousseff tem pretendido reforçar a representação feminina em suas escolhas.
Mais: entre as indicações possíveis, pelo menos quatro têm ligações com o PT. Maria Elizabeth Guimarães Rocha, ministra do Superior Tribunal Militar (STM) indicada por Lula, trabalhou na subchefia de assuntos jurídicos da Casa Civil entre 2003 e 2007, os dois primeiros anos sob as ordens de José Dirceu, o principal réu do mensalão.
Coube a ela, durante a campanha eleitoral, interromper o julgamento da divulgação do processo sobre a prisão de Dilma durante a ditadura militar, embora tivesse votado a favor da liberação do documento.
A procuradora do estado de São Paulo Flávia Piovesan, especialista em direitos humanos, é a preferida do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, de quem foi colega na procuradoria.
A desembargadora federal Neuza Maria Alves da Silva, do Tribunal Regional Federal da 1 Região, tem o apoio do governador baiano, Jaques Wagner. E Maria Tereza Rocha Moura, ministra do Superior Tribunal de Justiça, foi indicada para o cargo pelo então ministro da Justiça Marcio Thomaz Bastos.
A juíza do Tribunal Penal Internacional em Haia Sylvia Steiner também está na lista e atenderia ao desejo de Ellen Gracie de assumir um cargo em um tribunal internacional.
O jurista da Fundação Getulio Vargas do Rio Diego Werneck, um estudioso tanto do Supremo brasileiro quanto da Suprema Corte dos Estados Unidos, não acredita que temos um Supremo petista, “pelo menos não no sentido de um tribunal alinhado com o partido”, mas admite que o poder presidencial de indicar ministros “é certamente empregado para fins políticos no Brasil de hoje”.
Contudo, como ele indica em um trabalho em conjunto com Leandro Molhano Ribeiro, os fins políticos em jogo são muitos, e aumentar a chance de decisões judiciais alinhadas com o projeto político-constitucional do presidente é apenas um dentre esses múltiplos objetivos possíveis.
Nesse trabalho, os autores dizem que, no mínimo, há três fins políticos identificáveis nas nomeações para o Supremo, um fim político interno ao Supremo e dois fins políticos externos.
O interno seria alinhar decisões do STF e preferências do presidente. Os externos seriam barganha para angariar/manter apoio de membros da coalizão e indicar para certos grupos ou para a opinião pública em geral que está atento a uma determinada questão racial, de gênero etc.
“Não há nada de necessariamente ruim na indicação de pessoas alinhadas, em linhas gerais, à visão político-constitucional do presidente”, avalia Werneck.
Como argumentam no texto, a opção constituinte por um mecanismo político de indicação “reflete um compromisso com uma relativa aproximação entre os ciclos da política e os ciclos da jurisprudência constitucional”.
Se um determinado partido fica muito tempo no poder, o esperado é que isso tenha reflexos na jurisprudência do STF. “Da forma como está desenhado, isso é um resultado esperado do sistema”, argumenta o jurista da FGV, embora a velocidade e a intensidade dessa influência da esfera política sobre a esfera judicial dependam de muitas variáveis, ligadas, sobretudo, ao contexto político em que as indicações são feitas.
“Mesmo um presidente que queira somente indicar ministros que compartilham de sua visão sobre determinadas questões constitucionais, nem sempre pode fazer isso”, adverte Diego Werneck.
No entanto, uma pesquisa de pós-doutorado de outra professora da FGV, Fabiana Luci de Oliveira, chega a conclusões interessantes sobre o comportamento dos ministros de 1988 até 2006.
O próprio título do estudo — “Processo decisório no Supremo Tribunal Federal — Coalizões e ‘panelinhas’” — já indica que a professora tende a defender tese oposta à de Werneck.
Seu trabalho mostra que, no período analisado, os ministros indicados pelo regime militar, pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e pelo governo Lula apresentaram um alto índice de coesão nas decisões de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (Adins), com índices respectivamente de 93%, 96% e 84%.
A coesão dos ministros indicados no primeiro governo Lula é menor do que as dos ministros do período FH e dos militares, mas, ainda assim, é bastante significativa e estável, além de ser transversal a diferentes temas e áreas do Direito — daí a opção da professora Fabiana Luci de Oliveira pelo termo “panelinhas”.
Seu trabalho é citado no estudo de Diego Werneck e Leandro, e Werneck admite que, embora tenha reservas à ideia de um Supremo “petista”, “parece haver de fato uma tendência, entre 1988 e 2006, à formação de três ‘blocos’ de votação que podem ser em grande parte explicados pela variável da indicação presidencial”.
Evidentemente, argumenta o jurista da FGV, “o estudo não é o fim da história, trata apenas de Adins”. Além disso, alega Diego Werneck, o fato de ministros indicados pelo mesmo presidente tenderem a votar juntos não significa que esses votos serão sempre favoráveis a esse presidente.
“Mesmo assim, é um passo importante: o estudo mostra que ministros indicados pelos três governos mencionados acima apresentaram uma grande tendência a formar blocos de votação estáveis no período indicado”. (Continua amanhã)
Fonte: O Globo, 09/08/2011
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