Faz um ano que o povo americano viu sua economia desabar. De lá para cá, apesar da aplicação de choques poderosos, na voltagem de mais de US$ 2 trilhões em socorro e estímulo, a produção recuou forte e mais 3 milhões de desempregados se juntaram às filas de assistência. Obama havia prometido segurar o desemprego, “criando ou mantendo 4 milhões de postos de trabalho”. A realidade desmentiu o presidente. A linha do desemprego, de 10,2% e ainda subindo, é a maior do pós-guerra.
Novas propostas de estímulo chegam à mesa de Obama todos os dias. O perplexo presidente é pressionado a dobrar a aposta no aumento dos gastos de governo, como uma espécie de solução mágica keynesiana para a falta de apetite dos consumidores. Mas o afrouxamento monetário e fiscal, traduzido em emissões descomunais e um déficit orçamentário recorde em 2009, apenas assegura o agravamento da instabilidade do dólar como moeda de aceitação universal. Esse tipo de filme já passou antes, quando os Estados Unidos enfrentaram o rescaldo do Vietnã e os choques de preço do petróleo nos anos 70. Foi preciso dominar uma inflação brava, e a fórmula adotada por Paul Volcker nada teve de keynesiana: juros de dois dígitos e muita teimosia contra os apelos do mercado financeiro, que queria o relaxamento das medidas.
Desta vez, o suave Bernanke, sucessor de Volcker no Fed, banco central dos EUA, segue pela linha da acomodação e traz os juros para o território negativo. Isso reforça os sintomas de uma “rebolha” em Wall Street, que ameaça estourar com efeitos mais perversos que os do ano passado. A pergunta desesperada é sempre a mesma: haveria outro jeito, além de prosseguir no socorro à economia anêmica? A resposta exige uma inversão na prioridade da política de saída da crise. Os EUA precisam de mais produção, antes de ter mais consumo. Explico: durante duas décadas, eles puxaram o consumo mundial, gastando mais do que podiam e muito mais do que fabricavam. A China e outros lucraram com isso. Seguiu-se o endividamento da sociedade. Agora, a saída está em produzir mais do que consumir (isto é, poupar e investir) por alguns anos.
Acontece que a economia mundial também respondeu de modo sincronizado e recuou em seu nível de consumo. Isso obriga os EUA a realizar um corte mais profundo e perigoso no valor do dólar, ante as demais moedas. O objetivo dos americanos é vender mais, exportar mais do que importam, de modo a reduzir sua necessidade de rolar dívidas. Com os demais países encolhendo sua demanda, porém, o esforço será redobrado.
Uma lição histórica poderia ser repetida neste momento. Trata-se do Plano Marshall, concebido como ajuda à reconstrução da Europa no pós-guerra. Esse plano de ajuda não só acelerou a recuperação da destruída economia europeia, como serviu de alavanca para a maior expansão americana desde a Depressão.
Os Estados Unidos precisam de um novo plano externo, só que com os objetivos invertidos. O novo Marshall, um plano de desenvolvimento de nações de renda média e baixa, financiado pelos EUA com um vínculo à demanda por produtos e serviços “made in USA”, teria impacto significativo não só nos países recebedores do financiamento, como, principalmente, deflagraria mais demanda por produção americana.
Em vez de apenas incentivar mais consumo doméstico e produção não exportável, o novo Marshall, ou “Shallmar” – porque invertido em sua finalidade principal, jogo de sílabas sugerido por Fernando Pimentel, economista e ex-prefeito de Belo Horizonte –, provocaria mais produção e poupança para o próprio país financiador do programa. Ajudar os outros virou autoajuda.
As guerras do Afeganistão e do Iraque são, por natureza, destrutivas. Mas um plano “Shallmar” geraria para Obama não só a recuperação mais segura da produção nos EUA, como, de quebra, daria sentido prático a sua escolha, por enquanto incoerente, de prêmio Nobel da Paz.
(Época – 13/11/2009)
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