A presidente da Argentina, faz algum tempo, anda às testilhas com os meios de comunicação de seu país. E o contencioso se acentuou depois da reeleição da senhora Cristina Kirchner. Basta dizer que seu governo encaminhou ao Congresso projeto de lei, aprovado, colocando de joelhos a vigorosa imprensa rio-platense, pois fica na dependência do humor governamental. Aliás, o expediente não é novo, ao tempo de Perón as grandes folhas portenhas tiveram de jejuar à espera de papel, entre outras medidas. La Prensa, que era como La Nación, um dos mais completos jornais de seu tempo, parece não ter resistido ao bloqueio sofrido. O fato é que a Câmara aprovou o projeto de lei e o Senado acaba de confirmar o voto da Câmara. A sanção presidencial é fora de dúvida. E, com a estatização da única empresa argentina a fabricar papel específico para imprensa, será difícil supor que o expediente tenha por objetivo assegurar a liberdade de imprensa, mas obviamente, seu amordaçamento.
Dois ou três dias antes da aprovação congressual do projeto de lei, de origem do Executivo, ser aprovado pela Câmara e Senado, como ficou dito, fato novo veio a suceder, em circunstâncias inacreditáveis, mas que servem para retratar as entranhas do processo, processo nada compatível com os princípios e praxes democráticos. Algo semelhante já ocorrera na Venezuela e na Bolívia, países que não chegam a ser padrões de democracia. Pois, agora, a Argentina vai se juntar a eles, divorciando-se da gloriosa contribuição de figuras consulares de sua história, como Rivadavia, Sarmiento, Mitre, Saenz Peña e de sua tradição cultural, bastando lembrar que o argentino Bernardo Houssay, salvo engano, foi o único sul-americano a receber o Prêmio Nobel de Medicina. Com efeito, a polícia militar argentina invadiu e ocupou por três horas a sede da operadora de TV a cabo Cablevisión, em Buenos Aires; trata-se de uma subsidiária do Grupo Clarín, o maior complexo de comunicação daquele país; a operação fora autorizada por um juiz com jurisdição na Província de Mendoza, com base em denúncia do Grupo Villa Manzano, aliados do governo e concorrentes do Clarín; os invasores se apossaram do que quiseram da empresa portenha. Dispenso-me de arrolar outros dados, ainda que relevantes, porque basta o exposto para retratar a enormidade da violência e ilicitude praticadas em plena capital da nação, que só encontra paralelo em fases tenebrosas e de insegurança que, desse modo, induz que a marca daqueles tempos esteja sendo restabelecida no país vizinho.
Com efeito, a repercussão mundial do fato está a indicar sua excepcional gravidade. Para que fosse mais refinada a violência, o juiz que a autorizou é da Província de Mendoza, e sua consumação se deu na capital federal! Na história argentina, houve períodos extremamente contraditórios. No século 19, foram os tempos de Rosas, no século 20 a tormentosa fase do peronismo, e para documentar que este ainda não passou, está começando ou continuando no século 21, evidência de que a selvageria não se extinguiu nas bandas do Rio da Prata.
E isto é ruim para toda a América, dada a importância da Argentina sob todas as luzes, tudo o que lá acontece de bom ou de mau se reflete no continente. A violência e a ofensa a normas históricas da civilização ocidental a que pertencemos, Argentina e Brasil, nunca deu bom resultado nem para a grande nação do Prata.
Fonte: Jornal Zero Hora
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