Muitas coisas aconteceram nestes últimos 12 meses, uma delas, para mim, marcante, foi o fim da Consultoria de Investimentos de onde trabalhei por 26 anos.
Foram todos estes anos, com breves interregnos quando tentei outros vôos, que marcaram minha formação e conduta profissional.
Viver a consultoria, de fato, foi uma bela experiência. Iniciada em 1977 por desbravadores do mercado, dentre os quais, quem lhe deu o nome, foi se consolidando, junto com o mercado de capitais e os departamentos de análise, ainda muito pouco aparelhados. Foi de lá, inclusive, que surgiu a oportunidade, sob os auspícios da Bolsa de Valores de São Paulo, para o surgimento da Abamec, depois Apimec, quando o próprio mercado passou a gerar mecanismos de auto-regulação, proporcionando um maior controle sobre a atividade de analista de investimentos.
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Fato é que a criação da consultoria se misturou com a história do mercado de capitais nestes 42 anos de existência, na sua profissionalização e na consolidação da empresa de research, em paralelo ao amadurecimento do mercado.
No início, os relatórios da consultoria, de análise fundamentalista, principalmente, eram o “termômetro mais acurado” para os investidores nas compras, vendas e acompanhamentos de determinadas ações de empresas. Quando saíam os relatórios, geralmente, entre sexta e segunda-feira da semana seguinte, os papéis das empresas refletiam a opinião existente e oscilavam. Eram tempos em que tudo era muito “artesanal”, muito distante da rapidez dos dias de hoje. Eram redigidos a mão, depois passados para máquinas de escrever ou computadores, ainda bem rudimentares. Assim sendo, o tempo entre a feitura do relatório e sua divulgação, acabava se tornando uma vantagem comparativa considerável. Era neste momento que o mercado tremia na expectativa do que iria sair na Consultoria.
Nas últimas décadas, com o advento da telemática, fluxos de informação em “tempo real”, internet, enfim, a globalização financeira nos mercados, tudo mudou. O mercado se transformou, também, com o ingresso de novos players internacionais, passando a disponibilizar relatórios bem completos (tudo bem, muitas vezes, viesados), chegando de graça aos clientes, o que obrigou a consultoria a uma batalha assimétrica ou desigual na conquista de novos clientes. A informação passou a brotar em vários locais.
Em paralelo a isso, a bolsa de valores, antes várias pelo Brasil, foi se consolidando, se fundindo, até restar apenas a Bolsa de Valores de São Paulo, Bovespa. Essa, primeiro uma empresa associada, depois abrindo o capital e negociada em bolsa. A Bovespa surgiu depois em fusão com a BM&F, até se transformar na atual B3 (Brasil, Bolsa e Balcão). Em 2017 chegou a ser a quinta maior bolsa de valores do mundo, com patrimônio de US$ 13 bilhões. Na verdade, a consolidação deste mercado foi ocorrendo nas últimas duas décadas (*).
Foi neste cenário que o mercado de intermediação amadureceu e se transformou, com o surgimento de várias corretoras, gestoras de recursos e bancos de investimento. Nos últimos anos, no entanto, frente às despesas crescentes, redução de investidores pessoa física, e com a “desmutualização”, na relação bolsa de valores e corretoras, foi se concentrando e se transformando, reduzindo cada vez mais o número de instituições.
Importante recordar que foi nos anos 90 que a consultoria se consolidou, já que a Bovespa passou a exigir das instituições financeiras, departamentos de análise, o que acabou sendo um chamariz para os serviços da consultoria.
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Nas décadas seguintes, no entanto, também pela conjuntura adversa e as desmutualizações, depois que a BOVESPA (atual B3) abriu o capital, fortes transformações ocorreram no mercado. Tivemos os malabarismos fiscais do governo Dilma Rousseff, políticas públicas desastradas, o que ingressou a bolsa de valores num período de “zona de congestão”. O índice Bovespa acabou oscilando entre 65 mil e 70 mil pontos por um período que se prolongou de 2011 a 2016. Com isso, o mercado de ações pouco saiu do lugar, variando em operações no curto prazo, e isso afetou a clientela.
Este quadro de indefinições acabou decisivo para a trajetória da consultoria.
Na semana que vem falaremos mais um pouco sobre este tema. Até lá.
(*) Apenas à título de observação, a B3 é ligada a todas as bolsas de valores brasileiras, incluindo a BVRJ, onde são negociados apenas títulos. O indicador de referência é o Ibovespa. Em 29/08/14 as empresas cotadas na Bovespa bateram o maior recorde da história em valor de mercado, todas as 328 companhias listadas na bolsa brasileira valiam 2,595 trilhões de reais. A bolsa é uma entidade auto reguladora que opera sob a supervisão da CVM.