“Em meu livro “Uma breve teoria do poder” (Ed. Revista dos Tribunais, 2009), alerto que o Brasil tem exagerado nas benesses auto-outorgadas aos governantes em detrimento da sociedade, logo o que sobra para investimento é muito pouco em relação ao que é destinado a uma burocracia inchada e esclerosada.
No livro fixo mais a figura dos detentores do poder do que a das correntes filosóficas – que cuidam do Estado, das leis e das formas de governo – e procuro demonstrar que, em todos os períodos históricos e espaços geográficos, a busca do poder por aqueles que o desejam raramente tem por objetivo o servir ao povo, mas, sim, o de usufruto das regalias que o poder oferta. Não sem razão, Racine, na sua peça Tebaida, quando Creonte mata seus dois filhos para ser o rei, põe em sua boca a frase de que a felicidade de ser pai não torna ninguém invejoso, por ser comum, mas o trono é um bem do qual os céus é avaro. À mesma conclusão chega Rotrou, na Inocente fidelidade, quando diz que “todos os crimes são belos quando o trono é o preço”. Na ditaduras o detentor do poder não precisa justificar a apropriação do que bem entender, porque não tem oposição. Nas democracias, entretanto, o que as difere das ditaduras é que têm oposição e a elaboração da lei tem que ser negociada, servindo de autorização para o comando, mas também de limite ao exercício do poder.
As críticas de abuso que a oposição sempre faz mudam quando esta assume o poder, passando a situação anterior à crítica, com a mesma virulência antes lhe dirigida, visto que a busca do poder é o único objetivo e não aquele de servir, que quando ocorre e dá como um mero efeito colateral da detenção do poder. Carl Schmitt ao entender, por sua teoria das oposições, que a economia opõe o útil ao inútil, a moral, o bem ao mal, a estética, o belo ao feio, mas a política apenas opõe o amigo ao inimigo, dá bem a dimensão do que é a essência do poder. É algo para ser usufruído por quem o detém. Por esta razão, nas democracias, as campanhas são de baixíssimo nível no mundo inteiro. Maquiavel, no Príncipe, pode ter sua teoria sobre o poder resumida ao seguinte: “É bom o governante, se mantiver o poder, mesmo que mal. É mau o governante que o perder, mesmo que bom”.
Por esta razão, é que a história vem demonstrando uma constante busca de limitação dos poderes de seus detentores pelos textos supremos, que, todavia, sempre que seu detentor tenha força não a respeita. Mesmo culturas tradicionais, no século 20, tiveram ditaduras como a Alemanha e a Itália, pois quem tem o poder procura apenas perpetuar-se nele.”
Ives Gandra da Silva Martins
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