Confirmada a tendência da maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) de mandar para a Justiça eleitoral todos os crimes conexos ao de caixa 2, como corrupção, lavagem de dinheiro, peculato, as críticas ao Supremo tomaram conta dos meios digitais.
Paralelamente, o presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, anunciou que abriria processo, em caráter sigiloso, contra o que chamou de “notícias falsas (fake news)”, ações caluniosas, ameaças e infrações “que atinjam a honra de membros do STF e seus familiares”.
Como o ministro, ao mesmo tempo, ressaltou que o Supremo sempre defendeu a liberdade de imprensa e a livre expressão, é previsível que o inquérito se refira aos blogs militantes que estão espalhando falsas informações sobre ministros do STF e incentivando seus seguidores a atacá-los.
A guerra entre os procuradores e membros do STF também continuou, e será difícil, como veremos adiante, distinguir quem caluniou quem. O procurador da República Bruno Calabrich foi ao twitter para afirmar que a decisão de Toffoli é inconstitucional, pois “foro por prerrogativa de função é definido pelo agente, não pela vítima; investigação pelo Judiciário é inconstitucional (violação ao princípio acusatório)”.
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De fato, esta decisão representa uma redução do âmbito da Operação Lava-Jato, já que será difícil que políticos caiam na Justiça Federal, pois todos vão alegar caixa 2 e irão para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que historicamente tem tido uma interpretação condescendente com crimes eleitorais, e demora muito nas decisões porque não está equipado tecnicamente para apurar tantos crimes.
Um exemplo claro da condescendência com os crimes eleitorais está no julgamento da chapa vencedora de 2014. Dilma Rousseff e Michel Temer foram absolvidos por “excesso de provas”, conforme ironicamente denunciou o relator do caso, ministro Herman Benjamim, do STJ.
Júlio Marcelo de Oliveira, procurador do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), também no twitter, discordou da afirmação de que o TSE é capacitado o bastante para lidar com os crimes comuns: “A Justiça Eleitoral é célere para processos relativos ao registro de candidaturas, mas não tem agilidade para julgar prestações de contas das campanhas. Até o início de 2018, apenas as contas dos dois candidatos que foram ao segundo turno em 2014 tinham sido julgadas”.
O resultado de 6 a 5 demonstra mais uma vez a divisão do plenário do STF, e que a decisão não é simples como querem fazer crer os que acompanharam o relator, ministro Marco Aurélio Mello.
O ministro do STF Luiz Fux lembrou que a Justiça Eleitoral costuma supervisionar apenas crimes menos graves ligados à eleição, como desacato a autoridades, agressões físicas, falsificação de documento, coação e transporte de eleitores, por exemplo. “Nunca se levou para a Justiça eleitoral corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.”
Como lembrou o ministro Luis Roberto Barroso, dizer que o TSE não está aparelhado para tal função não quer dizer que seu valor esteja sendo negado, ou sua ação caluniada.
O ministro Gilmar Mendes, que lidera a disputa com os procuradores de Curitiba, disse em seu voto que eles adotam “métodos de gangaster”, chamou-os de “gentalha despreparada, não têm condições de integrar o Ministério Público. São uns cretinos.”
Mendes atacou também a criação de uma fundação privada para administrar parte da indenização bilionária que a Petrobras teve que pagar para parar processos nos Estados Unidos: “Essa fundação seria a mais poderosa do Brasil, com recursos públicos”, e tinha como objetivo financiar eleições futuras. “Sabe-se lá o que podem estar fazendo com esse dinheiro.”
O projeto do ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro que está no Congresso pode reformar esta decisão, pois separa o caixa 2 da corrupção. No entanto, dificilmente será aprovado. Os políticos com mandato conseguirão uma proteção com a decisão do STF.
Mas os que não têm foro privilegiado, como Lula, e os empresários corruptores, continuarão na mira de Curitiba. Previsivelmente, abre-se uma nova etapa na luta jurídica, com a possibilidade de que todos os julgamentos da Justiça Federal possam ser revistos.
A Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, não acredita nessa hipótese, mas diz que é preciso ficar atenta aos acontecimentos.
Fonte: “O Globo”, 15/03/2019