As reformas estruturais que qualquer governo sério tem de discutir e aprovar para restaurar o crescimento são pouco discutidas pela sociedade brasileira. A revista Interesse Nacional trata dessas reformas em profundidade em suas duas últimas edições.
Na de janeiro, ao lado de questões como o papel do Estado e a abertura da economia, dá-se destaque à uma nova agenda para a área externa. Diante da atualidade do assunto, resumo aqui as principais ideias e conclusões.
Ao contrário da propaganda oficial (“nunca antes na História”), a política externa dos governos do PT (Lula e Dilma Rouseff) manteve as principais prioridades dos governos anteriores – América do Sul, integração regional, Mercosul, África, Oriente Médio e assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. O que mudou foram as ênfases e a maneira como essas prioridades foram executadas, com forte influência partidária. Mesmo nos momentos mais ativos da política externa, no segundo mandato do governo Lula, a ação diplomática foi mais o resultado do momento favorável vivido pela economia doméstica e do deliberado protagonismo presidencial do que uma atividade coerente e segura do Itamaraty, que se viu alijado da formulação e, em muitos casos, da sua própria execução.
De maneira pragmática, reconhecendo as limitações impostas pelas dificuldades internas decorrentes da atual grave crise econômica, uma nova agenda externa deveria buscar o que foi perdido nos últimos 13 anos: a voz para restaurar a projeção do País e o dinamismo do comércio exterior e da negociação comercial externa para reinserir o Brasil nas correntes dinâmicas do comércio internacional.
Na área comercial, a estratégia de negociação multilateral (OMC), regional (Mercosul) e bilateral deveria ser modificada de forma significativa. A Organização Mundial do Comércio (OMC), em nova fase, passará a negociar acordos setoriais limitados, regionais, e não multilaterais, com a participação do todos os membros, como era até aqui. O primeiro grande exemplo é o acordo que envolve os EUA, o Japão, outros países asiáticos, México, Peru e Chile, o que explicitou o isolamento do Brasil nas negociações comerciais globais.
Em relação à América do Sul a política comercial deveria ser revista. Deixando de ficar a reboque dos acontecimentos, o Brasil deveria liderar um movimento para dar novo enfoque ao processo de integração regional. A integração energética, agrícola, física e uma maior inserção das empresas brasileiras nas cadeias produtivas da região seriam algumas dessas novas prioridades.
Quanto ao Mercosul, a política também deveria ser revista, de acordo com o estrito interesse brasileiro. As mudanças na Argentina e na Venezuela apresentam novos desafios para o Brasil. O isolamento do Mercosul nas negociações comerciais seria superado com acordos com a União Europeia, o México, o Canadá e com outros países desenvolvidos. Caso persistam as atuais condicionantes, como a influência política nas decisões, e se as negociações com a União Europeia não avançarem, a própria existência do bloco deveria ser examinada.
Na política externa, as relações com os países vizinhos deveriam ser intensificadas, deixando de lado agendas aceitas até aqui por afinidades ideológicas ou paciência estratégica. A nova situação interna na Argentina e o agravamento da crise na Venezuela forçarão ajustes na política brasileira. O Brasil continuaria a apoiar os esforços da Argentina e da Venezuela para o restabelecimento da estabilidade da economia, mas defenderia os interesses das empresas nacionais afetadas por medidas restritivas desse países. O governo brasileiro insistiria na defesa do fim do embargo econômico a Cuba e participaria, com transparência, do processo de abertura e desenvolvimento desse país. O relacionamento com os demais países em desenvolvimento deveria ser ampliado e diversificado.
As relações com os países desenvolvidos, de onde poderá vir a cooperação para a inovação e o acesso à tecnologia, deveriam voltar a ter prioridade para revigorar a indústria, tão abalada pelas políticas econômicas equivocadas adotadas pelos governos do PT. Deveria, assim, proceder-se a uma reavaliação das prioridades estratégicas, em particular no tocante à China e aos EUA.
Nos organismos multilaterais, o Brasil deveria ampliar sua ação diplomática em todas as áreas. As questões da sustentabilidade relacionada com as negociações de mudança de clima e os problemas de democracia e de direitos humanos deveriam merecer especial atenção. Neste particular, é inaceitável o silêncio brasileiro acerca do que ocorre na Venezuela e equivocada a decisão de não buscar reeleição para o Conselho de Direitos Humanos. O Brasil deveria manter seu interesse na ampliação dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU.
Deveria ser definida uma política ativa de ampliação da cooperação entre os países membros do Brics. A política de cooperação técnica e a diplomacia cultural – instrumentos do soft power brasileiro – deveriam ser fortalecidas com recursos adequados. A assistência a brasileiros no exterior e o apoio a empresas multinacionais do Brasil deveriam ser explicitados por meio de políticas públicas transparentes.
A coordenação entre a política externa e a da defesa nacional deveria ser ampliada em todas as suas dimensões, como, por exemplo, na proteção das nossas fronteiras e na expansão da indústria nacional de defesa.
O Itamaraty deveria voltar a ocupar seu papel como o principal formulador e executor da política externa. A recuperação de sua credibilidade (o Brasil chegou a ser chamado de anão diplomático) e a centralidade no processo decisório da política externa, livre de influências partidárias e ideológicas, favoreceriam o restabelecimento da projeção externa do Brasil.
Fonte: O Estado de S.Paulo, 23/02/2016.
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